ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.
Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias, O (2006)
Estreia oficial | no Brasil: 2 de novembro de 2006
IMDb
"O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias", dirigido por Cao Hamburger, é um filme ímpar dentro da cinematografia brasileira. Não por enfocar a ditadura militar, assunto já tão explorado no nosso cinema. Mas por enfocá-la a partir do olhar de uma criança.
Mauro (Michel Joelsas) é protagonista e narrador desta história que, portanto, nos é apresentada sob o seu ponto de vista, com algumas lacunas (já que ele não é um narrador onipresente e onisciente, e sabe apenas parte do que acontece ao seu redor). E é aí que o filme de Hamburger ganha peso, ao enfocar esse mundo particular de uma criança que é deixada pelos pais aos cuidados de um avô. Mauro não sabe o motivo pelos quais seus pais "saíram de férias", mas tem consciência que é algo maior. Não faz perguntas, mas comporta-se de maneira como se soubesse de tudo.
Revendo este longa, lembrei-me de dois outros que também trazem o ponto de vista de crianças sobre um período turbulento da história como foco narrativo, os ótimos "O Labirinto do Fauno" (de Guillermo del Toro) e "A Culpa é do Fidel" (de Julie Gavras) - coincidentemente os três filmes são de 2006. Todos têm em comum a sensilbilidade e a inocência do olhar infantil como ponto de partida e, apesar de estarem imersos em um fundo político, são histórias intimistas e emocionantes.
Assim também é o filme de Hamburger. Claro que os reflexos da ditadura militar do país estão presentes aqui, mas o que interessa mesmo são as mudanças pelas quais Mauro passa, num processo de descobertas e amadurecimento.
"O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias" também tem como ponto positivo a maneira delicada e verdadeira com que desenvolve seus personagens principais. Não só Mauro, mas também Shlomo (Germano Haiut), um senhor solutário que, assim como o protagonista, tem seu mundo virado de cabeça para baixo de uma hora para a outra; e a menina Hanna (Daniela Piepszyk), que será a fiel escudeira de Mauro. É da interação entre esses três personagens que surgem as melhores cenas do filme.
Tecnicamente, o longa também é irrepreensível. Direção de arte que remonta com perfeição a década de 1970. Fotografia belíssima - os planos que vemos Mauro e os pais chegando a São Paulo, que enquadram o garoto através da janela do fusca são lindos: o rosto do menino mistura-se com o reflexo dos grandes prédios da capital paulista, que surgem em um contra-plongée, como que oprimindo-o, numa alusão ao que a vida ainda estaria guardando para ele.
Enfim, "O Ano em Que Meus Pais Saíram de Férias" é um filme que ganha leveza graças ao seu ponto de vista infantil, e ares cômicos com as referências ao futebol (afinal passa-se em meio à Copa do Mundo de 1970), e, acima de tudo, emociona, pois mesmo nos momentos leves e engraçados, as opções do diretor Cao Hamburger não deixam o viés político de lado, como quando Mauro comemora, sozinho em seu apartamento, um gol da seleção: a câmera enfoca-o pelo lado de fora do prédio, e, por causa das janelas fechadas, não conseguimos ouvir som algum, apenas vemos Mauro gritando e gesticulando, numa clara alusão aos gritos calados daqueles que sofreram com a ditadura militar. Sensível e triste, não há como não se emocionar.
Fica a dica!
por Melissa Lipinski
2 comentários:
Acredita que ainda não assisti a este filme? Preciso conferir o quanto antes.
http://cinelupinha.blogspot.com/
Nossa, tem mesmo Rafael. O cinema nacional tem filmes belíssimos, que merecem ser vistos. Pra não dizer que são obrigatórios! hehehehe. E esse, com certeza, é um deles.
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