terça-feira, 9 de agosto de 2011

Janela da Alma

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Janela da Alma (2001)

Estreia oficial | no Brasil: 22 de outubro de 2001
IMDb



Walter Carvalho e João Jardim são míopes. Juntos, somam 16 graus de miopia (Jardim tem oito graus e meio; Carvalho, sete e meio). E era preciso que ambos sofressem dessa anomalia visual para conseguirem tratar do tema proposto em seu documentário de uma forma tão leve, delicada e sensível.

"Janela da Alma" é um filme simples. Mas não simplificado. Uma sequência de depoimentos de pessoas que possuem os mais diversos problemas de visão e a sua percepção do mundo, incluindo como a tal difunção interfere na vida de cada um e na sua maneira de enxergar as coisas. E é justamente nesses depoimentos, na inteligência de seus entrevistados - o escritor José Saramago, o cineasta Wim Wenders, o engraçadíssimo músico Hermeto Pascoal, o médico Oliver Sacks, o cineasta Walter Lima Jr., o escritor Ubaldo Ribeiro (que é uma figura rara!), o fotógrafo cego Evgen Bavcar, a cineasta Agnès Varda, o poeta Manoel de Barros, a atriz Marieta Severo… entre tantos outros - que está a potência do documentário.

Chega a ser uma ideia paradoxal que um filme sobre o olhar seduza mais pelas palavras de seus entrevistados… Mas a realidade é que a simplicidade estrutural do filme nos leva a focar mais em seus depoimentos, que vão desde esclarecedores sobre alguns distúrbios visuais, envolventes a respeito de determinadas experiências, e emocionantes quando alguns entrevistados relatam sua própria percepção. Assim, "Janela da Alma" deixa de ser apenas sobre algo técnico e passa a ser um debate abstrato e poético sobre maneiras de se ver o mundo. Dessa forma, o filme cresce nos momentos que deixa a parte técnica de lado e se foca mais nas experiências pessoais.

Não há como não "viajar" quando ouvimos frases como:

"FeIizmente, a maioria de nós é capaz de ver com os ouvidos, de ouvir e ver com o cérebro, com o estômago e com a aIma. Creio que vemos em parte com os oIhos, mas não excIusivamente." (Wim Wenders).

"Eu não acredito que o olho vê, as coisas aparecem de dentro, vêm de dentro, não entrando pelo olho, é a imaginação que transforma o mundo." (Manoel de Barros)

"O ato de olhar não se limita a olhar para fora, não se limita a olhar o visível, mas também o invisível, de certa forma é o que chamamos de imaginação." (Oliver Sacks)

"Nunca me esqueci da visão que tive da coroa do Camarote Real, no Teatro em Lisboa. De longe, uma maravilha. Quando olhei por debaixo, repleta de sujeira, teias de aranha… e logo aprendi: Para conhecer as coisas, há que dar-lhes a volta." (José Saramago).

"Mas vocês não são videntes clássicos, vocês são cegos porque, atualmente, vivemos em um mundo que perdeu a visão. A televisão nos propõe imagens prontas e não sabemos mais vê-las, não vemos mais nada porque perdemos o olhar interior, perdemos o distanciamento. Em outras palavras, vivemos em uma espécie de cegueira generalizada." (Evgen Bavcar)

"A atual superabundância de imagens, significa, basicamente que somos incapazes de prestar atenção. Somos incapazes de nos emocionarmos com as imagens. Atualmente, as estórias têm que ser extraordinárias para nos comoverem. A estórias simples não conseguimos mais vê-las." (Wim Wenders)

"Acho que você fica mais consciente do enquadramento. Quanto tinha trinta anos, tentei usar lentes de contato. Mas mesmo quando as usava, procurava meus óculos, porque apesar de enxergar bem sem os óculos sentia falta do enquadramento. Acho que a visão é mais seletiva. Temos mais consciência do que vemos de fato. Sem os óculos, tenho a impressão de ver demais. E não quero ver tanto, quero ver de forma mais contida." (Wim Wenders)

Dessa forma, a força da palavra contida em "Janela da Alma" nos faz abrir os olhos para um mundo mais subjetivo, mais metafórico. Os diretores não precisam usar imagens (ou pelo menos não precisavam usar mais imagens do que utilizaram), pois fica a cargo do espectador "viajar" em suas próprias imagens interiores, guiadas pelas experiências narradas. É como diz Wim Wenders em um de seus depoimentos: "Queria ver os filmes nas entrelinhas, assim como fazia com os livros quando era criança. Não há espaço entre as imagens, não há espaço para se projetar, introduzir neles os próprios sonhos". E, se Wenders faz isso em seus filmes, Jardim e Carvalho também o fazem, e com Wim Wenders, o que é ainda melhor.

É como dizia Leonardo Da Vinci, "o que há de admirável no olho é que através dele – de um espaço tão reduzido – seja possível a absorção das imagens do universo. De sorte que esse órgão – um entre tantos – é a janela da alma, o espelho do mundo”. E o documentário de Carvalho e Jardim é um espelho de emoções, de sensações… Não visuais. Não aquelas impostas pelas imagens. Mas aquelas interiores. O que leva cada espectador para uma experiência única.

Fica a dica!


por Melissa Lipinski



 

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