segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Cavalo de Guerra

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Cavalo de Guerra (War Horse, 2011)

Estreia oficial: 25 de dezembro de 2011
Estreia no Brasil: 6 de janeiro de 2011
IMDb



E ainda não foi desta vez que Steven Spielberg voltou à sua velha e boa forma, já que seu último filme memorável data de 2005 ("Munique"). Neste "Cavalo de Guerra" o cineasta manipula todas as vertentes do longa num único propósito: fazer o espectador chorar.
O roteiro, escrito por Lee Hall e Richard Curtis, e baseado no romance homônimo de Michael Morpurgo, nos apresenta desde sua nascença, um belo cavalo que, desde seus primeiros instantes de vida, já é observado pelo jovem Albert (Jeremy Irvine). Quando seu pai, Ted Narracott (Peter Mullan), contrariando qualquer noção do bom senso, compra o animal - quando na realidade precisaria, desesperadamente, de outro tipo de cavalo - Albert passa a treiná-lo e o chamar de Joey. Porém, quando a Primeira Guerra Mundial chega, Ted se vê obrigado a vender o cavalo para o Capitão Nichols (Tom Hiddleston). A partir de então, Joey passará por vários donos e de um lado a outro do campo de batalha, enquanto Albert tenta manter viva sua promessa de reencontrar o seu tão amado animal.

Recorrendo a diálogos expositivos e que se encarregam de repetir o que estamos vendo com as imagens, o roteiro sempre gira em torno das ações de Joey (sim, o cavalo); e as pessoas vistas no longa parecem mesmo dispostas a parar suas vidas para observar os feitos deste, como diz o longa, 'miraculoso' animal, como uma vila inteira que para afim de ver se ele é capaz de arar um campo; ou, o que é pior, um hospital improvisado da guerra que, negligenciando todo e qualquer outro ferido (sim, humanos), dedica-se a tratar do cavalo machucado.

E, mesmo que o elenco conte com nomes de peso como Emily Watson, David Thewlis, Niels Arestrup e Eddie Marsan, seus personagens não conseguem ser mais do que estereótipos definíveis com uma ou, no máximo, duas características, e que agem de acordo com a conveniência do roteiro (ou alguém realmente acredita que um senhor viajaria dois dias apenas porque ouviu um boato de um tal 'cavalo miraculoso'?). Isso sem contar com o protagonista humano do filme, Jeremy Irvine, que carece de qualquer traço de carisma.

Há ainda a irritante trilha musical de John Williams, que martela em nossos ouvidos as óbvias mudanças de tom que o roteiro sofre. Em especial nos primeiros 30 minutos de filme, que não me recordo de uma cena em que não se ouça algum tipo de melodia.

Ainda preciso deixar registrada minha indignação por Spielberg tentar humanizar as reações dos animais. Ainda que possam ser engraçadas (esporadicamente) ou comoventes, os animais interagindo com humanos ou entre eles mesmos acaba tirando a credibilidade do roteiro. E a insistência do cineasta em colocar closes dos rostos dos cavalos como se estivessem transmitindo alguma emoção, é digno daqueles filmes de 'bichinhos falantes' da Sessão da Tarde. E o que dizer da amizade que se estabelece entre dois animais na guerra? Ou do arco dramático semelhante de Joey e Albert, que sofrem a perda de seus melhores amigos no mesmo instante? Forçar a barra? Não… Imagina!

Porém, se há méritos em "Cavalo de Guerra" é sua irrepreensível técnica. Desde a fotografia do habitual colaborador de Spielberg, o talentoso fotógrafo polonês Janusz Kaminski, que cria planos tão elegantes (um ato cruel visto através da rotação das pás de um moinho) quanto grandiosos e que evocam o tom épico da narrativa (a cavalaria que ruma à guerra num contra-luz belíssimo). Entretanto, por mais que mereça todos os créditos da bela fotografia, Kaminski ainda sucumbe ao propósito de Spielberg em levar o público às lágrimas forçadas, e cria uma cena final que, colocando seus personagens contra um céu cuidadosamente pintado, parece ter sido extraída diretamente de "… E o Vento Levou" (e não me surpreenderia se Emily Watson abaixasse-se, pegasse um punhado de terra e declamasse: "Jamais sentirei fome novamente").

Contando ainda com ótimas tomadas de batalha (sim, o cineasta é perito nisso), o longa impressiona pela cena-ápice, onde Joey corre por entre as trincheiras, fugindo de tiros e disparos de canhões (e, se a sequência foi feita toda digitalmente, impressiona ainda mais pela sua verossimilhança). E que desencadeia a melhor cena do longa, onde uma breve trégua é estipulada para ajudar um animal sofrido, num momento que mistura o horror e o tocante - mas mesmo assim Spielberg consegue forçar a mão, transformando uma cumplicidade silenciosa entre dois inimigos de guerra, e que tem nos gestos de seus compatriotas o tom mais leve para quebrar a tensão imposta, em um momento de piadinhas desnecessárias e que culmina na anunciação do nome de seu filme. Se o cineasta se limitasse ao momento por si só, e à emoção que este acarretaria, deixando o próprio público tirar suas conclusões, e não forçá-lo a tê-las (como o faz), certamente seria muito melhor sucedido em seu propósito.

Há também a belíssima montagem de Michael Kahn (outro antigo colaborador do cineasta), que cria passagens belíssimas, como a que sobrepõe um tricô a um campo de plantação, ou a sequência que mostra (na rima visual mais elegante e simbólica do longa, demonstrando que Spielberg ainda pode voltar a ser o grande cineasta que já se mostrou no passado) o embate suicida da cavalaria inglesa e alterna planos de seus oficiais montados com espadas em punho, e planos de seus cavalos passando sozinhos pela artilharia alemã. Porém, Kahn e Spielberg não conseguem fugir do tom episódico do longa, que mesmo se esforçando para tornar-se fluido (até trazendo, ao final, personagens que muito ficaram para trás), apenas consegue soar forçado demais (novamente).

Enfim, só me lembro de ter saído tão frustrada assim após um filme de Steven Spielberg ao assistir a "A.I. - Inteligência Artificial". Acho que já está na hora do cineasta reviver seus grandes momentos de outrora… Ou aposentar-se de vez.


por Melissa Lipinski


2 comentários:

disse...

achei essa nota que vocês deram muito boa... esse filme merece menos!

Oscar disse...

Tem mais uma coisa que incomodou muito: o fato de todo o filme ser falado em inglês. Ingleses, Franceses, Alemães: todos falando inglês é dose. Na cena deles libertando o cavalo no meio do front há momento que não sabemos quem está falando. Soldados ingleses ou alemães. É dose...