quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

A Montanha dos Sete Abutres

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Montanha dos Sete Abutres, A (Ace in the Hole, 1951)

Estreia oficial: 29 de junho de 1951
IMDb



"A Montanha dos Sete Abutres" é um filme que continua atual até hoje, pois fala do caráter sensacionalista e extremamente comercial, anti-ético e inescrupuloso com que a mídia trata os acontecimentos em geral. E é incrível como um filme com mais de 60 anos consegue dialogar com o presente de forma tão crítica.

O roteiro de Billy Wilder, Lesser Samuels e Walter Newman conta como Chuck Tatum (Kirk Douglas), jornalista com uma má reputacão pelas grandes cidades por onde passou e em seus jornais de grande circulação, acaba parando em uma pequena cidadezinha do Novo México e conseguindo emprego em uma discreta redação. 'Empacado' por lá há um ano, Tatum vê num minerador (Richard Benedict) que ficou soterrado em uma montanha a chance de voltar aos grandes veículos de comunicação. Para isso, manipula o xerife local (Ray Teal), a esposa do rapaz preso, Lorraine (Jan Sterling), e os engenheiros locais para atrasar ao máximo o resgate do sujeito e assim, fazer um verdadeiro 'carnaval' a respeito do assunto, pois como ele mesmo diz em certo momento: "um homem preso numa mina é melhor do que 84. Você lê sobre 84 pessoas, ou sobre um milhão, como na fome da China, e esquece. Mas um homem é diferente: você quer saber tudo sobre ele". E Tatum utiliza dessa máxima para se tornar o único que tem acesso ao rapaz preso, Leo, e portanto, concentra (e manipula) as informações. Aos poucos, um incidente local que poderia ser resolvido em dois dias, transforma-se em um espetáculo nacional, arrastando-se por mais de uma semana.

Como não poderia deixar de ser em um filme 'wilderiano', os diálogos são inteligentes, ágeis e repletos de cinismo e duplo sentido. Tatum fala para seu novo chefe quando está sendo contratado: "eu já menti para homens que usam cintos e também para homens que usam suspensórios, mas não seria estúpido a ponto de mentir para um homem que usa cinto e suspensórios". E, se a frase pode não representar muito a princípio, aliada à excelente composicão do figurino do protagonista, torna-se quase que um marco do longa. A princípio inescrupuloso e sem qualquer traço aparente de caráter, não se nota em Tatum nem um dos acessórios que ele cita ao patrão (pelo menos não de forma saliente); porém, à medida em que os acontecimentos que ele provocara começam a fugir do seu controle, ele passa a usar tanto cinto como suspensório, numa clara alusão de que está mudando sua maneira de ver as coisas, com um certo senso de moral.

Mas engana-se quem acha que o longa de Wilder é um filme de redenção. Por mais que Tatum, de certa forma, arrependa-se do que fez; suas ações deixam marcas que jamais poderão ser apagadas. Já Lorraine parece não sentir remorso algum: para ela que "não reza para não desfiar suas meias", o fato do marido ter ficado preso na montanha representa apenas uma forma de melhorar os negócios, já que o alarde feito pelo jornalista começa a atrair curiosos de todas as partes do país - inclusive um circo é montado aos pés da tal montanha, para entreter quem ali espera ver Leo ser resgatado.

É Wilder criticando não só a mídia, mas a vontade que o povo sente pelas notícias fantasiosas e sensacionalistas. E o cineasta toca fundo na ferida e não poupa ninguém: nem o xerife que vê a chance de alavancar mais uma candidatura; nem os oportunistas de plantão, que surgem cobrando por doces, brinquedos e até músicas compostas para o resgate; nem a família humilde e 'inocente', que está ali apenas para 'observar'. E ver uma multidão saltando histérica de um trem apenas para ficar olhando uma montanha sendo escavada deixa de ser engraçado e passa a ser assombroso.

Fazendo um minucioso estudo sobre a natureza humana, "A Montanha dos Sete Abutres" ainda traz excelentes atuações. Kirk Douglas e Jan Sterling conseguem o mais difícil: provocar a antipatia imediata no espectador, o que torna-se essencial para que o filme 'funcione'.

"O circo acabou", grita Tatum ao final, frustrando a turba de observadores. Infelizmente, e como Billy Wilder bem o sabia, o tal circo jamais acabará…

Fica a dica!


por Melissa Lipinski



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