segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

As Aventuras de Tintim

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Aventuras de Tintim, As (The Adventures of Tintin, 2011)

Estreia oficial: 26 de outubro de 2011
Estreia no Brasil: 20 de janeiro de 2012
IMDb



Steven Spielberg conheceu o personagem Tintim em 1981, quando Georges Remi, ou simplesmente Hergé, teria declarado que o recém lançado filme de Spielberg, "Os Caçadores da Arca Perdida", traduzia da melhor maneira possível o espírito aventureiro de seu próprio personagem. A identificação que Spielberg deve ter sentido ao ler as histórias de Tintim é perfeitamente imaginável, afinal o jovem jornalista realmente era uma espécie de 'Indiana Jones mirim'. E, mesmo que eles não tenham tido a chance de se conhecer pessoalmente (Hergé morreu em março de 1983, meses antes de um possível encontro entre eles), a admiração era recíproca: Spielberg tratou logo de adquirir os direitos cinematográficos das aventuras de Tintim (já em 1983), e a esposa do recém falecido cartunista belga teria afirmado que ele uma vez declarara que, se alguém conseguiria levar às telonas o seu personagem, não poderia ser outra pessoa senão o diretor da saga "Indiana Jones".

Mas detalhes e boatos à parte, é verdade que há muito em comum entre Indiana Jones e Tintim, seja pela sede inesgotável (e muitas vezes, imprudente) por aventuras; seja pelo raciocínio e intelecto aguçados; seja pelo carisma inquestionável. Mas, infelizmente, a versão cinematográfica do personagem de Hergé não ganhou um filme à altura daqueles protagonizados por seu 'similar' humano. Apesar de um começo bastante promissor, a sucessão de sequências de aventuras alucinantes, sem que haja um tempo para o espectador conseguir 'respirar', acaba saturando a narrativa. Além disso, os diálogos por demais expositivos acabam minando um pouco o ritmo do longa, tornando-o um pouco lento demais nos momentos em que não há uma ação 'desembestada'.

Escrito por Steven Moffat, Edgar Wright e Joe Cornish, o roteiro é uma adaptação de três livros de Tintim - "O Caranguejo das Tenazes de Ouro", "O Segredo do Licorne" e "O Tesouro de Rackham, o Terrível" (dizem que os favoritos de Spielberg e do produtor Peter Jackson), e conta como o repórter aventureiro e seu inseparável companheiro canino, Milu, conhecem o capitão Haddock, um bêbado inveterado, e metem-se em diversas enrascadas até desvendarem o tal segredo do Licorne, um antigo navio cujo capitão era antepassado de Haddock. Porém nada será tão fácil, afinal o sinistro Sakharine também está atrás deste segredo, e fará de tudo para por suas mãos nele, nem que, para isso, tenha que se livrar do trio principal. Há ainda os agentes Dupond e Dupont, cujas inteligência e acuidade dedutiva é inversamente proporcional ao seu enorme talento em fazerem trapalhadas.

Contando com um visual incrível, a animação feita através do motion capture (ou mocap) - que transforma com fidelidade os movimentos e feições de atores reais em animação - confere uma verossimilhança assustadora não só aos cenários e objetos, mas como à textura de tudo o que é visto, em especial a da pele 'humana', com suas marcas de expressões e rugas; sem contar com os olhos dos personagens, extremamente expressivos e reais. Há momentos em que nem parece que estamos diante de uma imagem digital, tamanha a 'verdade' que os efeitos conferem-lhe.

Há ainda a bela fotografia do habitual colaborador de Spielberg, Janusz Kaminski, que acrescenta sombras para acentuar o tom dramático da narrativa, conferindo, em alguns momentos, um ar meio noir às sequências.

Demonstrando sua antiga habilidade em dirigir cenas de ação, Steven Spielberg não decepciona na parte técnica das sequências, seja pela ágil edição quanto por seus enquadramentos criativos e inusitados. Sem contar as inventivas transições de planos compostas pelo cineasta e seu (também habitual) montador, Michael Kahn (e que parecem estar se tornando uma 'marca', vide seu outro lançamento deste ano, "Cavalo de Guerra"), como na que vemos Tintim e Haddock, que estavam em pleno oceano, transfomarem-se em um poça d'água no chão sobre a qual alguém pisa; ou na belíssima e poética cena em que o capitão Haddock recobra sua memória, onde as dunas do deserto transformam-se em ondas de um oceano e vice-e-versa. É uma pena, porém, que a maioria do longa limite-se a uma sucessão de sequências de ação (às vezes longas demais), e não forneça o tempo necessário para desenvolver seus personagens ou contextualizar a história; sendo que apenas no seu terço inicial, "As Aventuras de Tintim" exija um pouco mais de atenção e raciocínio, seja de seu intérprete quanto do público.

Este fato acaba tornando-o uma diversão muito mais voltada para o público infantil do que, infelizmente, para o público que talvez tenha crescido lendo as suas aventuras nos quadrinhos ou assistindo-as na televisão - ainda que se revele um tanto quanto violento às crianças menores; e mostrando um personagem, que apesar de gerar situações engraçadas a partir sua condição, apresenta-se constantemente embriagado. Mas o fato é que boa parte do seu público 'mais fiel' talvez se irritará com os excessos de monólogos (muitos deles desnecessários) proferidos pelo inquieto Tintim; que, por vezes, aparenta ser o lado menos brilhante da dupla formada com seu cão Milu. Devo dizer, inclusive, que Milu é o melhor personagem do longa, pois, talvez pelo fato de não falar, suas ações, estratégias, vontades e sentimentos são demonstrados por outros meios que não palavras repetitivas e descartáveis, mostrando-se o personagem mais inteligente da trama.

Não que os fãs (os menos ferrenhos, é claro) possam reclamar muito; afinal, Spielberg e Jackson tentaram manter-se bastante fiéis aos desenhos de Hergé, e, por mais que a versão cinematográfica (potencializada pelo 3D) dê uma dimensão que não existia aos quadrinhos do cartunista belga, há que se admitir que, comparando-se os quadrinhos em que foi inspirado e o próprio filme, existem inúmeras semelhanças (mantendo-se, obviamente, a natureza e as propriedades específicas dos respectivos meios). Talvez a mudança mais significativa seja mesmo a nacionalidade dos personagens, já que a história foi transferida para a Inglaterra para que se tivesse coerência com a língua falada no longa (cuidado que Spielberg não demonstrou em "Cavalo de Guerra").

Os mais fanáticos ainda notarão que não só a excelente abertura é uma homenagem ao cartunista belga (e às capas de suas HQs), mas também que o caricaturista que desenha o protagonista no início do filme tem as feições de Hergé.

Talvez em seu segundo longa - sim, Peter Jackson e Steven Spielperg já anunciaram que será uma trilogia e que, inclusive, a segunda aventura do jovem repórter e seus companheiros será dirigida por Jackson - Tintim ganhe uma versão cinematográfica que não nos estupefaça apenas estetica e tecnicamente.

Enfim, trocando os traços simples de Hergé com as feições quase minimalistas de Tintim, pela tecnologia digital de ponta, esse "As Aventuras de Tintim" (e suas futuras sequências) tem tudo para conquistar uma nova (principalmente em idade) geração de fãs. E, quem sabe, maravilhados pelas aventuras mirabolantes comandadas por Spielberg, não busquem por sua origem e passem também a conhecer os quadrinhos sensacionais de Hergé. Certamente não irão se decepcionar!


por Melissa Lipinski


P.S: A dublagem brasileira é muito bem realizada.


 

Um comentário:

Iuri Barcellos disse...

Esse desenho acompanhava minha infância!