sábado, 14 de janeiro de 2012

As Flores da Guerra

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Flores da Guerra, As (Jin Líng Shí San Chai, 2011)

Estreia oficial: 16 de dezembro de 2011
Estreia no Brasil: sem previsão de lançamento
IMDb



Em 13 de dezembro de 1937, as tropas do exército imperial japonês invadiram e tomaram Nanquim (China) durante a 2ª Guerra Sino-Japonesa e cometeram um dos maiores genocídios da história da humanidade. Até hoje as informações são desencontradas, pois o governo japonês não reconhece tais acontecimentos, mas há relatos que a violência tenha durado cerca de seis semanas (até o início de fevereiro de 1938). Durante esse tempo, estima-se que mais de 300 mil pessoas, entre civis e militares chineses foram torturados e assassinados de maneira brutal e desumana. O dia 13 de dezembro, especificamente, é também conhecido como 'Estupro de Nanquim', pois diz-se que os soldados japoneses adentravam casas e colégios e retiravam mulheres e meninas à força afim de estuprá-las ou transformá-las em 'escravas sexuais'.

E é justamente sobre esse período que fala este filme do ótimo cineasta chinês, Zhang Yimou. O roteiro de Heng Liu (baseado no romance "As 13 Flores de Nanquim", de Geling Yan), tem início justamente na fatídica noite da tomada de Nanquim, e mostra um grupo de meninas de 13 anos, estudantes de um convento que, juntas com o filho adotivo de um padre, o menino George, correm pela ruas da cidade chinesa sob o ataque japonês para conseguirem chegar à igreja Winchester. Contar muito sobre a trama seria apenas tirar a graça para que você, ao longo do filme, vá descobrindo os detalhes dessa história muito bem construída. Basta saber que a tal igreja servirá de abrigo não apenas para essas crianças, mas também ao americano John Miller (Christian Bale) e a um grupo de prostitutas. Lá, eles terão que despistar os japoneses enquanto arquitetam a sua fuga da cidade.

Seguindo a mesma estética que utilizava em seus filmes wuxia (como são chamados os longas sobre artes marciais), Zhang Yimou parece apenas substituir as espadas e punhais por armas de fogo, pois mantém a mesma violência estilizada de, como por exemplo, "Herói", "O Clã das Adagas Voadoras" e "A Maldição da Flor Dourada". O cineasta mantém sua câmera bastante próxima de pessoas que têm seus membros amputados ou cabeças explodidas por tiros e, ao mesmo tempo que choca com a violência exposta, maravilha-nos com suas câmeras lentas e a plasticidade dessas sequências.

Além de apresentar efeitos visuais muito bem realizados, tal aparato pode até ser utilizado para chocar o espectador, mas não de forma gratuita, e sim como um recurso de linguagem que auxilia em sua narrativa, afinal, como falei anteriormente, este lamentável episódio foi um dos mais cruéis e violentos da história.

Há ainda a incrível fotografia de Zhao Xiaoding (em uma colaboração com Zhang Yimou que já rendeu sete filmes, desde "O Clã das Adagas Voadoras", de 2004), que troca o habitual colorido dos filmes wuxia que realizaram, por uma estética ora acinzentada, ora esverdeada, ora esfumaçada, que preserva elementos coloridos pontuais, como as luzes refletidas por um belíssimo e gigantesco vitral da igreja, ou as subjetivas de uma das meninas que olha através dos vidros coloridos deste mesmo vitral.

Isso sem falar da direção de arte, impecável, que recria com perfeição a época, além de trabalhar em conjunto com a fotografia, mantendo uma palheta de cores mais sérias e frias, mas pontuando elementos coloridos, como, é claro, tudo que diz respeito às prostitutas.

Mas o filme não impressiona apenas técnica e esteticamente, e também em seu conteúdo. Tendo como pano de fundo a ocupação de Nanquim, Yimou conduz um eficiente melodrama de guerra que fala sobre superar seus preconceitos, seus medos e traumas, sobre redenção, e, principalmente, sobre colocar-se no lugar do próximo e sobre amizade. A trama e os personagens vão se delineando aos poucos, e mesmo algumas ações que aparentam forçadas em um primeiro momento, justificam-se ao longo da narrativa, nada ali está colocado displicentemente. Como por exemplo, a súbita mudança de comportamento de John Miller, que à primeira vista parece abrupta e injustificada, ganha outro significado em um belo momento no qual ele conta parte da sua história.

E, ainda que muitos possam acusar Zhang Yimou de retratar os japoneses de forma estereotipada e perversa, devemos lembrar que o cineasta é chinês, e que seu país não sofreu apenas uma vez nas mãos do Império do Sol Nascente; sem contar que há relatos sobre a crueldade e intolerância com que muitos soldados nipônicos agiram. Além do fato de que abusos, assassinatos e violências de todos os tipos imagináveis serem recorrentes em todas as guerras já cometidas pela humanidade.

Além de tudo isso, ainda há o excelente trabalho de seu elenco. Não apenas de Christian Bale, que segue amadurecendo em sua carreira; mas também dos atores chineses, em especial a belíssima e novata (sim, seu primeiro trabalho) atriz Ni Ni, que empresta delicadeza, força e sensualidade à prostituta Yu Mo, e consegue transitar com perfeição entre a bela e resoluta mulher, que não hesita em usar seu corpo e seus truques para conseguir o que quer, e a frágil vítima de uma vida sofrida e que lhe foi imposta. Há também a pequena Zhang Xinyl, que interpreta a estudante Shu e mostra bastante vivacidade e carisma. Mas o grande destaque fica por conta de Huang Tianyuan (o garoto George) e que rouba todas as cenas em que aparece.

Enfim, "Flores da Guerra" pode não ser um retrato fiel do fatídico novembro de 1937, mas é um melodrama de guerra comovente e belo esteticamente. Afinal, seja em seus pequenos filmes mais intimistas ou em suas grandes produções de artes marciais, Zhang Yimou já provou que sabe conduzir um melodrama como ninguém!

Fica a dica!


por Melissa Lipinski


2 comentários:

disse...

sem palavras. maravilhoso!

Minhoquinha Feliz disse...

Muito bom esse filme, parabéns pela excelente crítica!