quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Insolação

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Insolação (2009)

Estreia oficial | no Brasil: 26 de março de 2010
IMDb



"Insolação", filme dirigido pelo consagrado diretor teatral, Felipe Hirsch (que pela primeira vez se aventura no cinema) e por Daniela Thomas (usual colaboradora de Walter Salles na direção de seus filmes, como "Linha de Passe", "O Primeiro Dia" e "Terra Estrangeira"), é uma poesia, e como tanto, não se pode tentar entendê-lo com a razão, mas sim senti-lo.

Baseado em contos da literatura russa (os nomes dos personagens deixam isso bem claro) que falam sobre o amor, o roteiro assinado por Will Eno e Sam Lipsyte não pode facilmente ser traduzido em um sinopse reducionista. Diversos personagens passam pela cena declamando frases desconexas, ou então enfrentando, cada um a seu modo, a solidão e a incansável busca por um amor inatingível, seja através do primeiro amor platônico, ou o sexo insaciável, ou o simples afeto de alguém próximo.

A narrativa que não segue nenhum lógica cronológica ou temporal também coloca em evidência o quão perdidos são aqueles personagens. Dias e noites se intercalam sem sabermos quanto tempo se passou. Os personagens não trocam de roupas, possuem um só figurino. Vão e vêm pelas ruas e se encontram em um quiosque abandonado, onde parecem ser orientados por uma espécie de diretor (Paulo José), que fala profundas frases sobre a vida.

As atuações e a fotografia são o âmago do filme. E, assim como um poema concretista, a forma e o conteúdo se confundem. As belíssimas locações geométricas (em uma Brasília esvaziada de vida), belíssimamente enquadradas pela câmera de Mauro Pinheiro Jr., colocam-se também como personagens. Da mesma forma como oprimem as figuras humanas, que aparecem minúsculas frente a verdadeiros monumentos de concreto, em enquadramentos que colocam o homem como um ser insignificante, impotente.

Os diálogos sem conexões ou sentidos, e notadamente teatrais, reforçam o sentimento de solidão e confusão que os personagens se encontram. Na verdade, o que esses personagens falam interessa menos do que aquilo que eles aparentam sentir. É o sentimento de desamparo e de isolamento que tornam todos eles como 'zumbis' herméticos e obscuros. E, embora todos, em um momento ou outro, estabeleçam relações ou conexões entre si, na realidade estão todos sozinhos, em busca de um sentimento (amor, afeição, carinho, ou como queiram chamar) que jamais encontrarão, pois são, eles mesmos, esvaziados de qualquer sentimento.

O elenco (cujas atuações beiram a teatralidade, como falei) está irretocável. Paulo José, Simone Spoladore e Leonardo Medeiros são dos atores mais talentosos que o cinema nacional tem hoje em dia. Maria Luíza Mendonça e Leandra Leal também são ótimas atrizes. E há ainda os jovens Antonio Medeiros e Daniela Piepszyk que não ficam atrás.

Há ainda a belíssima trilha musical de Arthur de Faria, que tranquila, opõe-se aos sentimentos não exteriorizados dos personagens, criando um interessante contraponto.

Enfim, "Insolação" é uma obra importante no atual cenário do cinema brasileiro, já que abre caminho para que mais obras abstratas, 'de autor', intimistas, 'de arte' (ou como queiram chamar) venham por aí. Com certeza não é um filme fácil, e definitivamente não agradará nem um pouco àqueles que não conseguem se libertar do cinema narrativo hegemônico. Mas, para aqueles que se deixarem levar por sua beleza visual e incômoda narrativa, certamente será um experiência única.

Fica a dica!


por Melissa Lipinski


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