quinta-feira, 23 de junho de 2011

Meia-Noite em Paris

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Meia-Noite em Paris (Midnight in Paris, 2011)

Estreia oficial: 11 de maio de 2011
Estreia no Brasil: 17 de junho de 2011
IMDb



Quem me conhece sabe o quanto sou fã de Woody Allen. Porém, nos últimos tempos, digamos que ele não andava lá muito inspirado. E, ainda que tenha feito alguns bons filmes nos últimos cinco anos, como "Vicky Cristina Barcelona" (2008) e "Tudo Pode Dar Certo" (2009), estava longe de estar num de seus melhores momentos (que com certeza ficou pelos anos 70 e 80).

Minha frase acima apenas corrobora com o discurso deste novo filme de Allen, "Meia-Noite em Paris", onde o protagonista Gil Pender (Owen Wilson), apaixonado pela cidade de Paris da década de 1920, não consegue se estabelecer como escritor, ao ficar mergulhado na nostalgia do que chama os "anos dourados" da cidade e da cultura. Ao mesmo tempo, Gil tem que enfrentar a incompreensão e futilidade da noiva Inez (Rachel McAdams). Enquanto Gil quer se mudar para a capital francesa (onde acha que vai se sentir inspirado e conseguir se firmar como escritor) e viver de forma mais boêmia, Inez quer morar em Malibu e continuar levando uma vida luxuosa, já que Gil parece ser um bem-sucedido roteirista de Hollywood. Cego para a real personalidade de sua noiva, ele ainda não enxerga que ela não pára de derreter-se para um ex-professor, o pseudo-intelectual Paul (Michael Sheen). É então que Gil, ao se perder depois de uma longa caminhada noturna pelas charmosas ruas de Paris, acaba deparando-se em plena década de 1920, e tem a chance de conviver com seus ídolos artísticos (escritores, pintores, músicos e cineastas).

Logo nos primeiros planos do longa já vemos a genialidade de Woody Allen, já que o autor traz uma série de planos dos pontos mais conhecidos de Paris, indo, aos poucos, substituindo essas paisagens por locais mais desconhecidos (mas igualmente charmosos), cobertos pela chuva, levando-nos para o interior das ruas parisienses, onde a mágica acontece. Mostrando-nos que Paris (assim como tudo na vida) não é apenas o que se vê a princípio: há muita coisa (talvez as melhores) que está 'escondida' para aqueles que só dão uma olhada superficial.

Talvez um dos melhores pontos do roteiro seja o fato de que Allen não tenta explicar a razão das viagens pelo tempo, já que isso realmente não tem importância para a história. Dessa forma, o roteirista/diretor fica mais livre para brincar com as 'personas' dos artistas aqui retratados, como Ernest Heminghway (Corey Stoll), F. Scott Fitzgerald (Tom Hiddleston), Zelda Fitzgerald (Alison Pill), Gertrude Stein (Kathy Bates), Pablo Picasso (Marcial Di Fonzo Bo), Salvador Dalí (Adrien Brody), Luis Buñuel (Adrien de Van), Man Ray (Tom Cordier), Cole Porter (Yves Heck), T.S. Eliot (David Lowe), Henri Matisse (Yves-Antoine Spoto), e muitos outros.

Aliás, é visível que os atores que interpretam essas celebridades estivessem realmente se divertindo. E, por mais que Stoll, como Hemingway, e Brody, como Dalí, pareçam um pouco caricatos em suas composições, é impossível não achar graça das situações aqui vividas por essas figuras tão conhecidas. Auxiliado por inspiradas interpretações de seus atores, Woody Allen recria as personalidades desses artistas de forma bem humorada.

Mas não são apenas as atuações dos atores que interpretam essas personalidade que são louváveis. Owen Wilson cria o que talvez seja o melhor personagem de sua carreira. E, por mais que o seu velho jeitão de bom-moço descolado seja novamente o fio condutor de sua composição, é impossível não notar as sutilezas que o ator doa a seu Gil, tão bem ilustradas num longo primeiro plano, quando o personagem passa de incrédulo pela viagem no tempo a deslumbrado pelo que está vivenciando. Além disso, o ótimo timing cômico do ator cai como uma luva para que este recrie um pouco da composição típica de Allen, do personagem neurótico e inseguro. Rachel McAdams, que costuma ser tão adorável em suas personagens, surge como uma pessoa egoísta, mesquinha e superficial, e a raiva que o espectador sente pela personagem apenas demonstra o quão competente é a atriz na sua criação. Já Marion Cottilard, como a bela Adriana, estabelece-se como uma verdadeira musa inspiradora, e, não à toa, tantos homens geniais competem por seu amor. Finalmente, Michael Sheen, mesmo que apareça pouco, consegue estabelecer-se como um pseudo-intelectual pedante e irritante que não deixa dúvida ser apaixonado por si mesmo e pelo seu conhecimento, o qual não perde a chance de 'recitar', mesmo que, algumas vezes, este seja incompleto ou, até mesmo, equivocado.

Inspirados também são os diálogos escritos por Allen, que realmente parece ter voltado à sua melhor forma, ao racionalizar situações absurdas, ou ao colocar o protagonista como sendo o autor da ideia do filme "O Anjo Exterminador", e doando-a para Buñuel, o qual, de forma cômica e que contrasta com sua veia surrealista, insiste em racionalizar sobre a questão.

A fotografia deste "Meia-Noite em Paris" também é belíssima e ajuda a contar a sua história, já que o presente de Gil é retratado sempre de forma cinzenta, em uma Paris nublada. Já os nos 1920 destacam-se por suas luzes (já que sempre aparece à noite), e com uma palheta de cores quentes, que tendem ao dourado. Assim, quando Gil, em uma feira de rua, vê um gramofone dourado (da época por qual é apaixonado), o espectador nota, de cara, a atração que o personagem sente pelo objeto.

Da mesma forma, quando na cena final, já de volta ao presente, notamos as mesmas cores que até então retratavam apenas a década de 1920, automaticamente vemos a evolução do personagem e que tanto ele como nós, espectadores, entendemos a mensagem de Woody Allen - seja Gil sonhando com os anos 20, ou Adriana com a Belle Époque, ou ainda Gauguin e Degas com a Renascença - o passado serviu para estabelecer o presente como este é; serve sim como objeto de admiração, mas ficar sonhando em viver no passado, soa apenas como constante frustração.

Passei a olhar com outros olhos minha vontade de viver nos anos 60. Ainda que a ideia de poder conviver com meus ídolos - Truffaut, Godard, Antonioni, Beatles, entre outros - nunca soará ruim.

Fica a dica!


por Melissa Lipinski


P.S.: Por que o cartaz brasileiro tem que remetar à uma simples comédia romântica, enquanto o cartaz original do longa (ambos no início deste post) instiga tantas outras coisas?


 
 

3 comentários:

Rafael W. disse...

Dizem que é o melhor Woody Allen em muito tempo. Espero que seja!

http://cinelupinha.blogspot.com/

David Cotos disse...

Me gusto bastante la película.

Anônimo disse...

O filme é realmente muito bom! Mais uma incrível criação de Woody Allen. A escolha de Paris como pano de fundo foi excelente. Tornou-o ainda mais belo e envolvente.