domingo, 12 de junho de 2011

Acossado

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Acossado (À Bout de Souffle, 1960)

Estreia oficial: 16 de março de 1960

IMDb



Hoje em dia, Jean-Luc Godard não precisa de apresentações. Em mais de 50 anos de carreira, um dos fundadores da Nouvelle Vague francesa, é reconhecido pela sua grande contribuição ao Cinema, principalmente no que tange à linguagem cinematográfica.

"Acossado" foi justamente a estreia desse aclamado diretor em longas-metragem, e é um clássico, não só da
Nouvelle Vague (é um dos primeiros filmes do movimento), mas de toda a Sétima Arte. "Acossado" surgiu numa época em que a juventude politizada (principalmente na França) vinha com uma enorme vontade em romper com regras e padrões de uma sociedade estanque e hipócrita. Não é exagero considerar o primeiro filme de Godard como um dos símbolos dessa juventude.

Em "Acossado" o roteiro é o que menos importa. Não temos aqui uma história nos padrões clássicos. (A ideia da história veio de François Truffaut - outro "monstro" da
Nouvelle Vague e do cinema francês). O que importa aqui é mais a forma de se contar - a linguagem, do que aquilo que está sendo contado. Godard não tinha em mãos um roteiro tradicional, mas sim a ideia e anotações. Improvisação era a palavra de ordem.

Dessa liberdade surge outra inovação do longa, o hoje já "institucionalizado",
jump cut, que consiste em cortes dentro de um mesmo plano (sem mudanças de enquadramento), dando a sensação de 'pulos', causando um certo estranhamento para quem assiste. Além dos jump cuts, Godard também se utiliza da quebra de eixo propositada e de falsos raccords (quebra de continuidade) para evidenciar ainda mais esse estranhamento, que era exatamente o que o diretor pretendia. Aqui, não há a busca da identificação do espectador com os personagens; mas sim a vontade de chamar a atenção para o filme em si. Fazer com que o público consiga perceber que o que está assistindo não é a realidade, mas sim uma peça de ficção, e que consiga pensar a respeito dela. O estranhamento e o distanciamento reflexivo era o que Godard - e tantos outros autores, antes e depois dele - buscavam e ainda buscam. Ver o cinema não só como entretenimento, mas também como arte que leva à reflexão e à quebra de paradigmas.

Esse estranhamento também está presente na direção de cena, já que os atores sentem-se livres para improvisar e não ficam presos a um texto pré-concebido. O fato de os atores olharem para a câmera em vários momentos, e em alguns, falarem diretamente para a plateia, também corrobora com esse discurso.

Devido aos recursos de edição utilizados (
jumps cuts, falsos raccords), o ritmo do longa é bastante acelerado. Ritmo esse que só é quebrado numa cena em que os protagonistas Michel Poiccard (o ótimo Jean-Paul Belmondo) e Patricia Franchini (Jean Seberg, linda, com seu visual que inspirou toda uma geração) conversam no quarto desta. Nesta cena, Godard revela todo o existencialismo que permeia seus personagens (e vai interpor-se em toda a sua obra daí em diante), já que o ritmo acelerado de até então, parece ceder tempo para divagações sobre a vida, demonstrando a necessidade que os personagens têm de se afirmar dentro da sociedade.

Em meio a tudo isso, Godard ainda confere um aspecto intertextual e metalinguístico, com citações de pintores e escritores clássicos, e, acima de tudo, demonstrando todo o amor que sentia pelo Cinema, já que "Acossado" é carregado de referências a outros filmes, principalmente aos filmes policiais estadunidenses. O próprio personagem de Belmondo, Michel, é claramente inspirado nos policiais interpretados por Humphrey Bogart - ele até pára, numa das cenas, em frente a um cartaz do ídolo (do personagem e do diretor), para admirá-lo.

Por fim, "Acossado" é um filme ímpar. Mesmo com uma história simples, que já tinha sido vista tantas vezes anteriormente em outros filmes, conseguiu (e ainda consegue) surpreender devido a uma conjunção de fatores: o carisma dos atores, o charme das ruas de Paris, a música envolvente, e principalmente, ao talento, à ousadia e à experimentação de seu realizador. Características que Godard apenas iniciava em 1960, e que viria a radicalizar ainda mais em suas obras posteriores.

Fica a dica!


por Melissa Lipinski



 

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