segunda-feira, 27 de junho de 2011

Estamos Juntos

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Estamos Juntos (2011)

Estreia oficial | no Brasil: 01 de julho de 2011



Esse novo trabalho do diretor Toni Venturi tem um início promissor, com belíssimos planos aéreos da cidade de São Paulo. Porém, acaba perdendo-se na sua indefinição quanto à história que quer contar: acaba querendo abarçar temas demais, e não desenvolve nenhum com a profundidade esperada.

Leandra Leal é Carmem, uma jovem médica que encaminha-se para se tornar cirurgiã na rede pública de saúde. Carmem, devido à corrida vida que leva, não deixa tempo para relacionamentos. Um de seus poucos amigos é Murilo (Cauã Raymond), que veio com ela do interior para a capital paulista e tornou-se DJ nas baladas da juventude classe média-alta da metrópole. Murilo abriga em sua casa o jovem músico argentino Juan (Nazareno Casero), por quem está apaixonado. Numa dessas baladas, Murilo apresenta Juan a Carmem e os dois começam um romance. Mas Carmem não está disposta a abrir-se para Juan e revelar que possui um amigo/confidente imaginário (Lee Taylor), junto de quem alivia suas tensões da corrida vida cotidiana.

Mas toda essa trama aí serve apenas de pano de fundo para que Carmem descubra que está com um câncer no cérebro e tenha que reavaliar sua vida, ao mesmo tempo em que começa a trabalhar num projeto voluntário de instrução de saúde para mulheres do Movimento dos Sem Teto. Movimento este que vai ocupar boa parte dos dois terços finais da trama.

Dessa forma, os personagens apresentados no início do filme, e que estavam começando a ganhar tridimensionalidade são praticamente transformados em figurantes quando a nova subtrama de cunho social ganha corpo. Porém, nesta altura, o filme já passou da sua metade, e os novos personagens também não têm mais tempo para serem desenvolvidos adequadamente. Assim, o que se vê na tela é um passeio de várias promessas de personagens tridimensionais que acabam não se concretizando.

Neste mesmo sentido, a sub-trama social (Toni Venturi já tinha feito, em 2006, um documentário sobre este tema, "Dia de Festa") ganha uma força bem maior do que poderia se esperar, e parece desenvolver-se à parte da personagem principal. Assim, vemos a ocupação de um prédio abandonado pelo movimento através de televisões ligadas estrategicamente posicionadas enquanto a protagonista realiza outra ação. O que enfraquece aqui a narrativa é o descaso que Carmem mostra com relação ao evento, já que, em nenhum momento aparenta se preocupar com aquelas pessoas com as quais, até então, vinha convivendo como instrutora de saúde. A utilização de efeitos de "câmera amadora" também mostra-se desnecessário e chega a confundir o espectador, já que a imagem nunca é nítida o suficiente e sempre tremida, na intenção de mostrar-se como "verdade".

Desnecessários também, já que mencionei a fotografia, são os exagerados planos fechadíssimos dos rostos das personagens. Numa clara alusão ao sufocamento que a gigantesca cidade de São Paulo provoca nas pessoas, os planos muito fechados soam óbvios e um pouco exagerados. A intenção podia até ser a de gerar desconforto no espectador (o que realmente acontece), mas o problema é que acontece em excesso. Já em outros momentos, Lula Carvalho consegue fotografar São Paulo de forma belíssima, mostrando a frieza e dureza de suas ruas, numa cidade que engole os seus personagens, ao mesmo tempo em que rende-se à sua beleza e a transforma em céu estrelado, no melhor momento do filme.

Já o jovem elenco dá conta do recado, e tenta, mesmo que em vão, dar profundidade a seus personagens. O destaque fica por conta de Cauã Reymond que vive o jovem DJ homossexual com muita segurança.

Mas, o que mais me incomodou na história foi a doença de Carmem. O câncer no cérebro é uma metáfora lógica à própria vida da personagem. A doença a imobiliza. Sua vida também parece engessada, sem amigos, sem relacionamentos. Porém é aí que descamba. Carmem não tem um confidente imaginário? Esse amigo não parece suprir as suas necessidades de relacionamento? O câncer parece dizer: "olha, está aí a explicação de porquê ela projeta o seu inconsciente na forma de um companheiro invisível - é uma doença!". E, dessa forma, enfraquece a premissa do poder da projeção da imaginação.

Por fim, lançando uma pergunta que se repete em três momentos: "o medo deixa as pessoas mais egoístas?", o filme de Toni Venturi parece apenas preocupado em formular uma questão para causar impacto, sem se preocupar em calcar-se de subsídios para que seus personagens, e o próprio espectador, possam respondê-la.


por Melissa Lipinski


P.S.: Comentário escrito durante o FAM 2011.


Um comentário:

Enoilma disse...

Gostei bastante do seu comentário, ajuda a exclatecer vários pontos incógtos no filme. Eu gostei bastante desse filme, envolto a tantos mistérios e perguntas não respondidas. E acho até que é por isso mesmo que gostei tanto desse filme, dessa mistura de temas que nos põe a refletir e pensar sobre nossas próprias vidas.