ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.
Elena (2011)
Estreia oficial: 29 de setembro de 2011
Estreia no Brasil: ainda sem data prevista
IMDb
"Elena" não é um filme que agrada a todos. Lento, com longos planos estáticos, é mais sobre a índole daqueles personagens que ali se apresentam, do que sobre fatos ou ações em geral.
O roteiro de Oleg Negim trata do cotidiano de uma mulher, Elena (Nadezhda Markina), que passa a maior parte do tempo a servir seu marido, Vladimir (Andrey Smirnov). Ambos em seu segundo casamento, cada um tem um relacionamento bastante distinto com seus filhos. Enquanto Elena é capaz de enfrentar uma longa jornada para ver o filho Sergey (Aleksey Rozin) e sua família; Vladimir quase não tem contato com sua filha Katya (Yelena Lyadova).
Mas o filme dirigido por Andrei Zvyagintsev não é tão simples quanto aparenta, e trata de assuntos bastante delicados como culpa e o que somos capazes de fazer quando nos sentimos ameaçados, ou melhor, tudo o que alguém é capaz de fazer para resguardar e proteger sua prole, revelando-se acima de tudo, um belíssimo estudo de personagem.
O cineasta russo acerta em dar início ao filme mostrando o cotidiano de Elena (que, de tão acostumada à sua rotina, já desperta minutos antes do seu despertador tocar). Assim, quando seus afazeres se repetem ao longo do filme, já sabemos quais são os passos que a protagonista está habituada e o quê pode estar fora da sua rotina. Elena e Vladimir possuem um casamento que mais parece um pacto, sem uma paixão arrebatadora (os dois dormem, inclusive, em quartos separados); mas não sem carinho e sexo (sentimentos que são mostrados pelo diretor em belíssimos planos que sintetizam todo a relação do casal).
Aparentemente de acordo com seu 'pacto' (Vladimir parece entrar com o dinheiro, enquanto Elena se ocupa de organizar a belíssima e espaçosa casa em que moram), o casal não possui a mesma harmonia com relação a seus filhos. Vladimir acusa Sergey de ser um acomodado, ao que Elena, por mais que concorde com o marido, não admite que o filho seja acusado de tal. Já Elena sente grande desapontamento por Vladimir não enxergar na própria filha exatamente as mesmas características que aponta em Sergey, pois evidentemente Katya é uma moça mimada e que vive às custas do pai, além do fato de não se importar nem um pouco com ele.
Quando Vladimir sofre um infarto e resolve mudar seu testamento, deixando todos os seus bens para a filha (e deixando apenas uma mesada mensal para a mulher), Elena resolve tomar uma atitude extrema, já que, além de tudo, seu filho está precisando de uma grande quantia de dinheiro.
Demorei-me para descrever os personagens, pois como disse, são eles o grande centro desta produção. Todas as pessoas vistas aqui não são más pessoas (ainda que, naturalmente, antipatizemos com Sergey ou com Katya); mas todas também possuem alguma característica menos louvável (digamos assim), como egoísmo, cobiça, avareza, comodismo, agressividade, teimosia… Enfim, pessoas 'normais'. Porém, o grande destaque do filme acontece quando o diretor Zvyagintsev revela seu real propósito: que em favor de um filho, podemos fazer qualquer coisa. Mais do que ignorar seus defeitos ou tratar-lhes com favorecimento, podemos, inclusive, tornarmos pessoas bem piores do que somos.
O diretor não tem pressa na construção de seus personagens, e o faz com um ritmo lento, em longos planos estáticos. A belíssima fotografia de Mikhail Krichman abusa de planos-sequência, chegando em seu auge no ápice dramático do filme, quando acompanhamos a protagonista "em tempo real" (num único e longo plano) enquanto ela toma a decisão que mudará sua vida. A tensão impressa pela espera é algo angustiante, e a sensação de 'realismo' é potencializada pela ausência de trilha musical. Trilha esta, diga-se de passagem, usada economicamente ao longo de toda a narrativa, apenas para pontuar alguns estados psicológicos da personagem-título.
Enfim, "Elena", como falei lá no início, não é um filme 'fácil'. Mas é inegavelmente deprimente e forte, já que nos coloca frente a frente com nossos piores 'fantasmas': o que seríamos capazes de fazer para salvaguardar nossos filhos e nossa própria comodidade…
Fica a dica!
por Melissa Lipinski
P.S.: Comentário escrito durante a 35ª Mostra Intrnacional de Cinema de São Paulo.
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