sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Encantada

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Encantada (Enchanted, 2007)

Estreia oficial: 21 de novembro de 2007
Estreia no Brasil: 14 de dezembro de 2007
IMDb



Revendo este "Encantada", da Disney, que tem uma parte em animação e outra em live action, me diverti tanto quanto da primeira vez que o assisti. É verdade que a trama acaba recaindo nos próprios clichês que satiriza, mas no processo, garante boas risadas e uma diversão garantida.

Começando com uma clássica animação 2D, lembrando os antigos desenhos do estúdio do Mickey, principalmente os de princesas, o roteiro de Bill Kelly apresenta-nos Giselle (Amy Adams), uma mistura de Branca de Neve, Cinderela e Bela Adormecida, que é resgatada pelo príncipe Edward (James Marsden). Assim como acontece em todo e qualquer conto de fadas, o amor dá-se à primeira vista, e os pombinhos marcam seu casamento para o dia seguinte. Porém, a madrasta de Edward, a Rainha Narissa (Susan Sarandon), intimidada pela possibilidade de perder o trono, joga Giselle em um poço mágico.

E é a partir daí que "Encantada" mostra originalidade, pois Giselle vai cair em plena Manhattan. Ali, depois de presenciar individualismos, egoísmos, insensibilidades e indiferenças com os quais não estava habituada em seu mundo, acaba conhecendo Robert (Patrick Dempsey) e sua filha Morgan (Rachel Covey). Juntos, pai e filha ajudam a sonhadora e ingênua Giselle a sobreviver no mundo real. Mas logo, Edward e o esquilo Pip também aparecem em Nova York para resgatá-la; assim como o assecla de Narissa, o desajeitado Nathaniel (Timothy Spall), que vem garantir que os planos da rainha concretizem-se.

Acertando na escalação de sua protagonista, muito do encanto (não resisti!) do filme está na figura da sempre ótima Amy Adams. Ela é a personificação das famosas princesas, imortalizadas pelos Estúdios Disney. Ela parece flutuar, canta a todo momento, fala com animais… E faz tudo isso com a simpatia, carisma e delicadeza que Adams consegue emprestar a seus personagens; além da inocência à flor da pele - e suas caras e bocas, sustos e gritinhos a cada acontecimento são a prova disso - características essas que, de forma sutil, a atriz vai deixando de lado à medida em que Giselle começa a se tornar 'mais humana'.

Com um bom ritmo da narrativa, as divertidas cenas musicais dão o toque de contos de fada ao mundo real. Em especial a cena em que Giselle convoca bichinhos nada fofinhos para ajudá-la na limpeza da casa, à la Branca de Neve; porém em vez de esquilos, coelhos, passarinhos e outros animais bonitinhos, surgem ratos, baratas e pombas. Há também a sequência em que ela sai cantando pelo Central Park, levando uma legião de seguidores a entrar em seu mesmo ritmo - a coreografia e os planos gerais garantem a beleza da cena.

Destaque também para a atuação over, porém mais do que adequada ao seu papel, de James Marsden, que cria um príncipe tão viril quanto tapado. São dele vários dos momentos mais engraçados do longa, como sua luta com um ônibus, ou sua interação com uma televisão.

Claro que, inevitavelmente, o longa acaba se transformando numa daquelas comédias românticas clichês e previsíveis, com o afamado happy ending, afinal estamos falando de um filme Disney. Mas é inegável que é um filme divertido, que vai provocar risos e sorrisos nas crianças de todas as idades.


por Melissa Lipinski


quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

50%

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

50% (50/50, 2011)

Estreia oficial: 30 de setembro de 2011
Estreia no Brasil: 18 de janeiro de 2012

IMDb



"50%" poderia muito bem cair no lugar comum e se tornar um daqueles filmes melosos sobre câncer. Ainda mais sendo seu protagonista um jovem de 27 anos. Porém, o longa foge das convencões e se torna um drama comovente, com ótimas pitadas de humor (na maioria negro), coroado com uma excelente atuação de Joseph Gordon-Levitt.

Escrito por Will Reiser baseado em sua experiência pessoal com o câncer, o filme mostra como Adam (Gordon-Levitt), um jornalista que trabalha em uma rádio, descobre, surpreendentemente, que possui uma forma rara de câncer na espinha, cujas chances de sobrevivência são os tais 50% do título. A partir de então, ele vai ter que encarar as dificuldades da quimioterapia e todas as suas consequências, enquanto ainda tem que lidar com uma namorada aparentemente insensível (Bryce Dallas Howard), um amigo que tenta levantar sua moral de toda forma possível (Seth Rogen), uma mãe super-protetora (Anjelica Huston), e uma terapeuta inexperiente (Anna Kendrick).

São seus diálogos a mair força do filme, com um humor discreto, irreverente, e por vezes ácido, repletos de referências a outros filmes, como "Harry Potter", "Star Wars", "O Senhor dos Anéis", e outros tantos preferidos dos mais nerds.

E Joseph Gordon-Lewitt empresta carisma e sensibilidade a seu protagonista, transformando-o, além do bom moço (que usualmente interrreta) em um personagem tridimensional, e que poderia muito bem ser um parente, amigo, ou conhecido de qualquer um de nós. E é essa autenticidade que faz com que nos identifiquemos e nos importemos com ele, e, obviamente, com seu futuro. E é aí que o filme se torna bem sucedido.

Claro que há clichês e situações manipuladas para nos emocionarmos. Mas a preocupação de Reiser e do diretor Jonathan Levine com seus personagens consegue dribá-las afim de construir uma trama coesa e que emociona pelo seu ponto principal: o fator humano e suas relações.

São os relacionamentos de Adam com as pessoas que mais ama, e com novos amigos que ditam tanto o tom dramático quanto o cômico de "50%". E, se Anjelica Huston é sempre competente; Anna Kendrick empresta uma estranha doçura à sua terapeuta; e Seth Rogen faz o que sabe fazer melhor: o engraçado cara-de-pau boa gente; são os dois amigos que Adam conhece durante as sessões de quimioterapia, Alan (Philip Baker Hall) e Mitch (Matt Frewer), que roubam as poucas cenas em que parecem, com sua 'maconha medicinal' para aliviar o peso da doença, e sua camaradagem que vai além do tempo que permanecem juntos no hospital. E são esses momentos, delicados e tocantes, que humanizam os personagens e os tornam verossímeis.

Para completar, Jonathan Levine conduz o filme com um bom ritmo, optando por grandes elipses temporais que funcionam, mas sem deixar o espectador perdido quanto à sua cronologia.

Enfim, "50%" pode até não ser uma obra-prima cinematográfica; mas é um daqueles filmes menores, que, até mesmo pela proximidade do seu autor com os fatos, emociona pela franqueza com que trata do assunto. E, assim, arrebata-nos pela sua sinceridade.

Fica a dica!


por Melissa Lipinski



quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Carros 2

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Carros 2 (Cars 2, 2011)

Estreia oficial: 22 de junho de 2011
Estreia no Brasil: 23 de junho de 2011
IMDb



E aconteceu o que parecia impossível! Pela primeira vez a Pixar escorrega e produz um filme realmente fraco. Não que "Carros 2" não tenha lá suas virtudes, mas está longe (muito longe) de se comparar aos outros filmes do estúdio encabeçado por John Lasseter. O próprio "Carros" (2006), podia até ser o mais infantil dos filmes do estúdio, mas ainda assim possuia grandes qualidades. Já essa sua continuação parece até mesmo deixar o bom senso de lado apenas para produzir um produto potencialmente lucrativo (e falo não só do filme mas, principalmente, de seus derivados: brinquedos, roupas e afins).

Depois de vencer seu quarto título da Copa Pistão, Relânpago McQueen volta à pequenina Radiator Springs para passar as férias com seu melhor amigo, Mate, que já traçou um roteiro completo para preencher os dias de folga do amigo. Porém, quando o carro de corridas italiano, Francesco Bernoulli, começa a alardear que é o mais veloz do mundo, McQueen interrompe seu descanso para participar de um campeonato idealizado por Sir Miles Eixodarroda, e que contará com os carros mais velozes do mundo para comprovar a eficiência de um novo combustível alternativo e renovável. Em meio a estas viagens pelo mundo, entretanto, Mate será confundido com um espião estadunidense pelos agentes Finn McMíssel e Holley Caixa de Brita, que investigam quem estará sabotando essas corridas para que o novo combustível não vingue e a gasolina mantenha-se como a principal fonte de energia para os carros.

Adotando o ar de espionagem, pelo menos a Pixar acerta em mudar o tom do filme anterior, evitando repetir fórmulas. Porém, erra ao promover Mate como o protagonista da história. Se o guincho funcionava como personagem secundário do filme original e como alívio cômico, o mesmo não se pode dizer desta vez. Tendo que aumentar (e muito) o número de piadas ao seu redor, o roteiro peca por diluir o seu potencial cômico em tiradas que, em sua maioria, soam óbvias e sem graça. Assim, McQueen é colocado como personagem secundário e relegado à única função de corroborar com a lição de moral do longa: 'não tente mudar as pessoas (principalmente seus amigos), aceite-as do jeito que elas são'.

E, se nos filmes anteriores da Pixar tais mensagens vinham 'camufladas' em roteiros que primavam pela qualidade, aqui, toda e qualquer sutileza é jogada fora com frases óbvias e clichês, que chegam a irritar. E até mesmo as tais lições parecem falhas já que, além da que mencionei no parágrafo anterior, o filme traz outras, porém moralmente duvidosas, como mostrar que os velhos e diferentes (os 'carros-limões' do filme) sentem-se acuados e invejosos, e sempre agem com raiva e más intenções; além de alardear que a gasolina é insubstituível, numa mensagem que, além de anti-ecológica, soa até mesmo perigosa se considerarmos que o filme é voltado (quase que exclusivamente) para o público infantil. E, como falei, se em seus trabalhos anteirores, o estúdio primava pelo bom senso, aqui parece estar desesperado apenas em obter lucro, não se preocupando com o teor de seu produto e as consequências que podem causar (ou alguém duvida do apelo desses personagens? Basta perguntar a qualquer garotinho com menos de 6 anos para ver se ele não sabe o bordão de Relâmpago McQueen). Ka-Chao!

Por outro lado, a Pixar mantém sua qualidade técnica e cria locações incríveis: seja na árida Radiator Springs, ou na multicolorida Tóquio. Assim como sequências de ação eficientes, como naquela que abre o longa, e nas corridas protagonizadas por McQueen. Igualmente inteligente é a transposição do universo das pessoas para mundo dos carros, e a colocação de objetos automotivos para ações mais humanas; como um jogo de cassino que é feito por aqueles dados que servem para pendurar no retrovisor, assim como muitos outros exemplos.

Enfim, apostando em uma história que nem mesmo parece se preocupar com sua própria lógica interna (basta ver quantos 'furos' o roteiro possui), a Pixar lança um filme duvidoso. Certamente vai conquistar as crianças (principalmente as menores). Já os adultos, que se emocionavam vendo "Up - Altas Aventuras", "Ratatouille", "WALL-E", "Toy Story", e tantos outros filmes do estúdio, vão ficar a ver navios… e carros… caminhões… e até papa-móvel! (Ok, ok… Meu trocadilho é do mesmo nível da animação!).


por Melissa Lipinski


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Toda Forma de Amor

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Toda Forma de Amor (Beginners, 2010)

Estreia oficial: 3 de junho de 2011
Estreia no Brasil: lançado diretamente em DVD
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"Toda Forma de Amor" (péssima tradução do título nacional) é um filme de Mike Mills, que parece ter se baseado em suas experiências pessoais para escrevê-lo. Tal proximidade e cumplicidade com os dramas vistos aqui, fazem com que o longa seja comovente, e intercale de maneira hábil e delicada momentos depressivos com outros mais alegres.

O roteiro de Mills mostra como Oliver (Ewan McGregor) está passando por uma difícil fase de sua vida. Criado praticamente só pela mãe (Mary Page Keller), o maior contato com o pai só começa depois da morte dela, quando ele - o pai, Hal (Christopher Plummer), assume-se gay e recomeça sua vida. E a descoberta de um câncer fará com que pai e filho unam-se ainda mais. Tendo crescido em um casamento sem amor, Oliver tem grande dificuldade em demonstrar seus sentimentos e manter um relacionamento; o que pode mudar depois que ele conhece Anna (Mélanie Laurent).

O filme de Mills privilegia seus atores, dando tempo para que eles possam desenvolver seus personagens e que, com isso, possamos nos identificar com eles. Não deixa de ser, basicamente, um maravilhoso estudo de personagens. Ewan McGregor empresta ternura e fragilidade a Oliver, transformando-o em um sujeito calado, depressivo, mas nunca num chato; e compreendemos e compartilhamos com ele suas tristezas e indagações sobre o amor e sobre a vida. Já Mélanie Laurent dá vivacidade à sua Anna, ao mesmo tempo em que torna-a complexa e 'real' pelas sutis mudanças de humor da personagem (que nunca são intempestivas ou inexplicadas). Mas o grande destaque fica por conta de Christopher Plummer, que consegue criar um personagem encantador. Assumindo sua homossexualidade aos 75 anos e redescobrindo sua vida, Hal esbanja vitalidade e emoções. E, mesmo abatido fisicamente pelo câncer, demonstra um grande amor pelas pessoas e pela vida, fazendo um belo contrapondo com a soturnidade de Oliver.

Para completar, há a interação de Oliver com o cachorrinho Arthur, e que interage com seu dono - e a opção de Mills em colocar pensamentos (em forma de legendas) para Arthur mostra-se inteligente e divertida, já que funciona como se fosse o inconsciente de Oliver, ao mesmo tempo em que revela o que o protagonista está pensando, sem ter que recorrer a narrações em off ou monólogos auto-explicativos. Além, é claro, de remeter àquelas pessoas que conversam com seus animais de estimação como se esses pensassem, refletissem e emitissem opiniões como se fossem seres humanos.

Como diretor, Mills também acerta, juntamente com o seu diretor de fotografia, Kasper Tuxen, em optar pela câmera 'solta', 'na mão', assim como na utilização de uma iluminação bem naturalista, dando uma estética mais realista à narrativa, o que também colabora para a identificação do espectador com aqueles personagens. Acerta também, na opção por uma montagem não-linear, fragmentada, que vai e volta no tempo para mostrar os relacionamentos de Oliver com sua mãe, seu pai e com Anna, o que confere ritmo à uma narrativa que já é mais lenta pela natureza de seus personagens e pela estética contemplativa adotada por Mills.

Mas o grande mérito do cineasta é utilizar-se de elegantes rimas narrativas, fazendo com que seu filme torne-se orgânico e 'real'. Assim, vemos Oliver repetir frases ou gestos que sua mãe ou seu pai faziam. Ou então, as rimas visuais, como o vaso da janela da casa de Oliver, que aparece logo no primeiro plano do filme com flores, e em outro momento, durante uma discussão com seu pai, com flores mortas. E esse é apenas um exemplo, o longa traz diversas dessas ligações ou rimas. O que, na minha opinião, sempre deixa uma produção mais elegante e inteligente.

Enfim, "Toda Forma de Amor" é um filme tocante, que mostra, como diz seu título original, "Beginners", como Hal ou Oliver foram 'iniciantes' em seus relacionamentos, seja porque assumiram sua opcão sexual, ou porque amadureceram diante da vida… Mas afinal, não somos todos iniciantes de uma forma ou de outra em algum (ou alguns) momento da nossas vidas?

Fica a dica!


por Melissa Lipinski


sábado, 24 de dezembro de 2011

O Garoto da Bicicleta

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Garoto da Bicicleta, O (Le Gamin au Vélo, 2011)

Estreia oficial: 18 de maio de 2011
Estreia no Brasil: 18 de novembro de 2011
IMDb



"O Garoto de Bicicleta" segue a estética dos filmes anteriores dos irmãos Jean-Pierre e Luc Dardenne. Nitidamente inspirados no neorrealismo, os cineastas sempre optam por longos planos que acompanham seus personagens durante suas ações, além de câmeras 'na mão' que dão um aspecto mais 'documental' ou 'caseiro' a seus longas. Além de sempre contarem histórias simples, com personagens 'comuns', e que poderiam muito bem acontecer com qualquer um de nós.

Neste longa, os irmãos Dardenne continuam com seu estilo para contar a história do jovem Cyril (Thomas Doret), um menino que foi deixado em um orfanato por seu pai, que se sentiu incapaz de continuar cuidando dele. Cyril, então, começa uma busca pelo reencontro com seu pai, e acaba entrando na vida de Samantha (Cécile De France), uma cabeleireira que aceita em ficar com ele nos fins de semana.

Demonstrando um talento impressionante para um jovem ator, Thomas Doret convence como um garoto briguento e que mantém (a falsa) esperança em morar novamente com seu pai. O mais surpreendente é que o garoto tão independente em alguns momentos, mostra-se extremamente vulnerável em outros; e Doret mostra-se bastante versátil, demostrando a variação de personalidade com competência. Porém, é exatamente nestas mudanças de comportamento que o filme peca, já que o transformam em um protagonista antipático, quase insuportável.

Assim, é injustificável a (imediata) ligacão que Samantha sente por ele. Aliás, tudo referente à personagem de Cécile de France soa superficial e mal construído; nunca sabemos quem realmente é aquela mulher ou quais são as suas motivações, assim como fica difícil acreditar que qualquer pessoa, por melhor que seja, suportaria um comportamento tão violento vindo de um menino que mal conhece. E a cena em que Samantha demonstra seu amor incondicional por Cyril, abrindo mão do relacionamento com seu namorado, chega a ser patética.

Já Jérémie Renier, que interpreta Guy, o pai de Cyril, talvez seja o personagem mais interessante do longa. Apesar de, sem dúvida, mostrar-se egoísta e extremamente irresponsável; o sujeito demonstra, por pequenos gestos, sentir-se desconfortável, e até mesmo envergonhado por suas ações, não sendo, num primeiro momento, nem capaz de dizer ao próprio filho que não quer mais o ver, numa cena que revela toda sua personalidade e incômodo com toda aquela situação.

Enfim, "O Garoto da Bicicleta" não é um filme ruim, mas está longe de ser o melhor momento destes cineastas que já nos brindaram com pérolas como "O Filho" (2002) e "A Criança" (2005).


por Melissa Lipinski


sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Missão Madrinha de Casamento

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Missão Madrinha de Casamento (Bridesmaids, 2011)

Estreia oficial: 13 de maio de 2011
Estreia no Brasil: 23 de setembro de 2011
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Judd Apatow é o 'cara' das comédias atuais. Essas com um humor politicamente incorreto, e que geralmente focam-se em jovens adultos, infantilizados, e que ainda não encontraram seu 'lugar' no mundo. Seja como roteirista, diretor ou produtor, Apatow tem o dedo nos maiores (e melhores) sucessos dos últimos anos, com filmes como "O Âncora: A Lenda de Ron Burgundy" (2004), "O Virgem de 40 Anos" (2005), "Ligeiramente Grávidos" (2007), "Superbad - É Hoje" (2007), "Segurando as Pontas" (2008), e agora esse "Missão Madrinha de Casamento" (produzido por Apatow e dirigido por Paul Feig).

Escrito por Kristen Wiig e Annie Mumolo, o filme parece ter o propósito de se tornar a versão feminina de "Se Beber, Não Case!", porém, com mais escatologias (surpreendentemente) e sentimentalismo, e, infelizmente, menos ironia. A história é sobre Annie (a própria Wiig), uma doceira cuja pequena confeitaria faliu devido à crise econômica, e que vê sua rotina com sua melhor amiga, Lillian (Maya Rudolph), mudar drasticamente quando esta anuncia que vai se casar. Claro que Annie será sua madrinha (ou dama de honra, nos Estados Unidos), junto com outras novas amigas de Lillian, entre elas a socialite Helen (Rose Byrnes), que vai competir com Annie para ver quem será a 'líder' das tais madrinhas.

E é dessa competição que nascem as piadas mais engraçadas. Porém, elas sempre alongam-se demais, e acabam perdendo o bom timing que ensaiam. Aliás, alongar demais as situações cômicas tornou-se a marca deste longa, basta ver a cena do discurso das madrinhas; aquela em que elas provam vestidos e têm intoxicação alimentar; a viagem de avião para Las Vegas; aquela em que Annie perde o controle na despedida de solteira de Lillian; e a que tenta chamar a atenção do policial Nathan (Chris O'Dowd). Todas com potencial engraçado, mas que acabam perdendo o charme e a graça pela insistência e duração.

Mas o filme tem seus momentos, principalmente quando tem Kristen Wiig como protagonista das piadas. A atriz realmente leva o filme nas costas e dá conta do recado. Claro que o time de coadjuvantes, encabeçado por Rose Byrnes e que conta com Melissa McCarthy, Ellie Kemper e Wendi McLendon-Covey, também tem seus momentos, ainda que suas personagens não passem de caricaturas definíveis com uma, ou no máximo duas, características.

Com escatologias totalmente descartáveis, "Missão Madrinha de Casamento" (péssimo título nacional), erra em não apostar mais no politicamente incorreto e apelar para o humor fácil e óbvio. Sem contar que, ao final, descamba para o sentimentalismo e mensagem (irritantemente) edificante.

Enfim, parece que Judd Apatow se dá melhor em projetos com temática e personagens masculinos; já que essas mulheres até revelaram-se engraçadas, mas moralmente vazias.


por Melissa Lipinski


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Uma Doce Mentira

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Doce Mentira, Uma (De Vrais Mensonges, 2010)

Estreia oficial: 8 de dezembro de 2010
Estreia no Brasil: 9 de setembro de 2011
IMDb



"Uma Doce Mentira" é uma comédia romântica que começa bem, dá uma base a seus personagens, construindo-os de forma coerente, somente para, no seu terço final, jogar tudo isso fora e sucumbir aos mais terríveis clichês hollywoodianos para que aconteça o "tão aguardado" happy end.

Escrito por Benoît Graffin e Pierre Salvadori (este também o diretor), a história já começa mostrando a paixão platônica que Jean (Sami Bouajilla) sente por sua patroa, Émilie (Audrey Tautou). Escreve-lhe, então, uma carta anônima, declarando o seu amor. A moça, por sua vez, reage de forma fria e insensível às belas palavras do rapaz, porém decide usar tal carta para reanimar sua mãe, Maddy (Nathalie Baye) que encontra-se em depressão depois de ter sido abandonado pelo marido. Assim, Émilie envia a carta para sua mãe, dando início a uma série de mal entendidos.

Desde a primeira cena, Salvadori já mostra criatividade ao intercalar cenas de Jean escrevendo a carta com outras dele admirando Émilie por através de um vitral colorido, permitindo que o diretor brinque com as cores da cena, principalmente o vermelho.

É já num primeiro momento que também conhecemos a personalidade forte de Émilie, pois nem os desejos de suas clientes (ela é cabeleireira) parecem impedi-la de fazer o que bem entende. Assim como ficamos conhecendo Jean, cujas palavras na carta dizem muito sobre seu caráter e personalidade introvertida, e as ações do rapaz no início do filme comprovam este comportamento.

Entretanto, o roteiro trata logo de jogar fora toda esta construção em prol de armar um triângulo amoroso. O que Graffin e Salvadori não perceberam, entretanto, é que fazendo isso, transformaram sua protagonista em uma mulher egoísta, manipuladora e até mesmo cruel, que usando como desculpa ajudar sua mãe, não consegue enxergar o mal que causa aos sentimentos dos outros. Sorte do diretor (e do filme) é que Émilie é interpretada pela doce Audrey Tautou, que, por mais perversa que tente parecer, sempre carrega um quê de doçura em sua personalidade, fazendo com que fique quase impossível odiá-la.

Contando ainda com um desfecho forçado e incoerente com o restante da história (principalmente no que diz respeito à personagem Maddy), "Uma Doce Mentira" desperdiça bons atores e boas atuações em prol de virar mais 'comercial', mais hollywoodiano, e assim, acaba se auto-boicotando.


por Melissa Lipinski


terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Gato de Botas

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Gato de Botas (Puss in Boots, 2011)

Estreia oficial: 27 de outubro de 2011
Estreia no Brasil: 9 de dezembro de 2011
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Depois de literalmente roubar a cena em "Shrek 2" (2004), não iria demorar para que o gatinho ruivo de olhos pidões e encantadores ganhasse um filme solo. Infelizmente um dos melhores personagens realizados pela Dreamworks perde um pouco de seu brilho nesta sua primeira (sim, Antonio Bandeiras falou que o Gato ganhará sua própria franquia) aventura.

Não que o bichano tenha perdido seu carisma ou sensualidade, pois ele permanece cínico e adorável (ainda que um pouco sentimental demais), mas o roteiro que ganhou não consegue empolgar o suficiente devido à falta de maturidade de sua narrativa. Sim, sei que a maioria do público de ainda assiste a animações é o infanto-juvenil. Mas isso não significa dizer que a história deva ser rasa, com apenas um nível de leitura (e a grande maioria dos filmes da Pixar, e o próprio "Shrek" - o originial, de 2001 - estão aí para comprovar isso).

Abandonando o clima medieval das histórias de contos de fada presente nos filmes do ogro verde, essa aventura do Gato de Botas aposta num tom mais western, intensificado pelas áridas paisagens e pela trilha sonora. O roteiro conta a origem do Gato, como ele chegou num orfanato, foi acolhido e logo fez amizade com outro órfão, o ovo Humpty Dumpty (personagem do folclore de países de língua inglesa, e que já apareceu inclusive no livro de Lewis Carroll, "Alice no País dos Espelhos"). Porém, um fato o leva a ter que fugir de sua pequenina cidade San Ricardo, e desfazer sua parceria com seu melhor amigo. Porém, anos depois, ele vê a chance de colocar suas patas num sonho de infância, os famosos feijões mágicos. Assim, o Gato novamente junta-se a Humpty e a sua nova parceira, Kitty Pata-Mansa, uma sedutora gatinha que, como seu nome sugere, tem as mãos rápidas e leves, o que a torna uma grande (e desculpem o trocadilho) gatuna. Os três partem então em busca dos feijões que os levará ao castelo do gigante, onde tentarão roubar a gansa dos ovos de ouro.

Recheando a história com personagens do mundo dos contos de fadas - ele mesmo, o Gato de Botas; o ovo Humpty Dumpty; mas principalmente a história da gansa (e não mais galinha) dos ovos de ouro e de João e o pé de feijão, o roteiro não precisa perder tempo explicando a natureza dessas histórias, já que todos estão familiarizados com elas, e pode se focar na história do protagonista. Porém, os roteiristas não conseguiram elaborar uma trama coesa e de tal maneira interessante que empolgasse do início ao fim. Porém, quando os heróis partem, literalmente, para a ação (depois de um grande flashback), o ritmo do filme melhora e você é levado pelas aventuras dos três.

E, se Antonio Banderas já está acostumado e sente-se bastante à vontade como o gato sedutor; Salma Hayek não fica para trás, e empresta sensualidade à Kitty; já Zack Galifianakis consegue dar carisma e simpatia a um personagem de moral duvidosa. Pena que os vilões Jack e Jill (Billy Bob Thornton e Amy Sedaris) sejam mal construídos (a única parte em que aparecem interessantes, quando, num momento mais íntimo, discutem sobre maternidade, é logo deixada de lado para que voltem a encarnar os tipos caricatos de bandidos mal encarados).

Contando ainda com um visual irrepreensível (porém repetitivo - parece que os realizadores de tão deslumbrados com sua tomada aérea das paisagens áridas resolveram repeti-la como que para exibi-la), "Gato de Botas" surpreende pela sua preciosidade técnica, e basta ver os movimentos dos pelos do casal principal de gatos para comprovar isso.

Porém, como disse, a trama aqui, é o grande problema, e se limitou aos contos de fadas infantis. As pitadas para um público mais adulto são poucas (ainda que a referência a "Clube da Luta" seja engraçada). Sorte que o filme contava com um protagonista encantador e extremamente carismático, pois não há como permanecer impassível ante àqueles grandes olhos expressivos e suplicantes.


por Melissa Lipinski


segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

Tudo Pelo Poder

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Tudo Pelo Poder (The Ides of March, 2011)

Estreia oficial: 7 de outubro de 2011
Estreia no Brasil: 23 de dezembro de 2011
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Dirigindo seu quarto longa-metragem, George Clooney parece ter preferência por temas intrigantes e personagens inteligentes, pois, com exceção do irregular "O Amor Não Tem Regras" (de 2008), seus filmes anteriores ("Boa Noite e Boa Sorte", 2005 e "Confissões de uma Mente Perigosa", 2002) continham estes 'ingredientes'.

Clooney assina também o roteiro, em parceira com Grant Heslov (com quem já havia trabalhado em "Boa Noite e Boa Sorte") e Beau Willimon, baseados em uma peça deste último, cuja história fala sobre as eleições primárias para escolher o candidato à presidência do partido democrata. De maneira inteligente, o roteiro centra-se apenas neste partido, e nos dois candidatos que concorrem à vaga, deixando de lado qualquer outro candidato e, principalmente, o partido republicano, mostrando que o jogo político, com tramoias, ataques pessoais e jogos sujos, faz-se presente em qualquer situação, mesmo se tratando de candidatos do mesmo partido.

O governador Mike Morris (Clooney) é o candidato que está à frente nas pesquisas na corrida pela vaga democrata. Sua campanha é comandada por Paul Zara (Philip Seymour Hoffman), cujo braço direito é o assessor de imprensa Stephen Meyers (Ryan Gosling). Já a campanha do adversário direto do governador é liderada por Tom Duffy (Paul Giamatti).

Quando Stephen Meyers envolve-se com uma de suas estagiárias, Molly (Evan Rachel Wood), descobre um segredo que poderia alterar o curso das eleições, e que acaba desencadeando uma série de reviravoltas na história.

Contando com personagens inteligentes e de raciocínio rápido, o roteiro dá o ritmo do longa por seus diálogos igualmente ligeiros e que, às vezes, querem dizer mais do que realmente aparentam, como se os personagens estivessem travando um jogo de estratégias (bom, estão na realidade).

E o ótimo roteiro ganha ainda mais força quando atuado por um elenco excepcional. Desde George Clooney como Morris, que dá carisma e 'pinta de bom moço' ao sujeito (e é impossível não pensar em Obama quando vemos o governador defender seus pontos de vista, mesmo quando se tratam de temas polêmicos, de forma coerente e bem humorada). Passando pelo inteligente estrategista Tom (Giamatti), que, mesmo mostrando-se inescrupuloso ao manipular a vida das pessoas como se fosse um jogo, faz com que o respeitemos devido à sua inteligência e ampla visão do processo eleitoreiro. E, se Evan Rachel Wood consegue compor uma jovem que mescla sensualidade e vulnerabilidade; é o 'manipulado' Stephen (Gosling) e seu idealismo político que norteiam o longa. Mas o destaque dentre esse maravilhoso elenco fica mesmo a cargo do excepcional Philip Seymour Hofman, que compõe o chefe de campanha Paul como um homem extremamente inteligente que é capaz de conhecer seu parceiro de trabalho, Stephen, melhor do que ele mesmo, gerando, numa das melhores cenas do filme, um discurso que demonstra de forma genial não só sua inteligência e capacidade de raciocínio lógico, como sua lealdade ao seu trabalho e seus princípios morais (mesmo que estes não sejam lá muito respeitosos, mas que mantêm uma certa ética em meio a uma realidade, que o filme mesmo mostra, é corrompida por natureza).

"Tudo Pelo Poder" conta ainda com uma fotografia excepcional de Phedon Papamichael, que acerta na diferente ambientação das cenas, dando o tom necessário que a narrativa impõe, seja ele mais simbólico (o plano com Stephen no contraluz atrás de uma gigantesca bandeira dos Estados Unidos é maravilhoso), ou mais enigmático (o encontro entre Stephen e Morris na cozinha de um restaurante, à meia-luz, repleto de sombras que encombrem parte dos rostos dos personagens é igualmente brilhante).

Mostrando-se um diretor extremamente competente e que dá espaço e tempo para seus atores, Clooney ainda cria uma rima narrativa que faz o início e o final do longa articularem-se de maneira elegante; além, claro, do plano final, que mostra (até de forma incômoda) como o jogo político acaba transformando as pessoas, e isso, infelizmente, não acontece apenas nos Estados Unidos…

Fica a dica!


por Melissa Lipinski


quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Histórias Cruzadas

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Histórias Cruzadas (The Help, 2011)

Estreia oficial: 10 de agosto de 2011
Estreia no Brasil: 6 de fevereiro de 2012
IMDb



"Histórias Cruzadas", roteirizado e dirigido por Tate Taylor, baseia-se no livro "A Resposta", de Kathryn Stockett. Não posso dizer sobre o livro, pois não o li; mas o filme é uma sucessão de clichês e situações maniqueístas que, em vez de mostrar o preconceito racial e seus efeitos nocivos, prefere apaziguá-los tendo uma 'heroína' branca como porta-voz.

No início da década de 60, Eugenia 'Skeeter' Phelan (Emma Stone) é uma jovem jornalista recém formada que volta à sua cidade natal - Jackson, Mississippi - e enxerga (pela primeira vez aparentemente) as diferenças raciais tão óbvias ali presentes. Ao presenciar acontecimentos preconceituosos que têm relação direta com sua amiga de longa data, Hilly Holbrook (Bryce Dallas Howard) e sua criada Minny (Octavia Spencer); e sua mãe (Allison Janney) e sua antiga babá; 'Skeeter' resolve escrever um livro sobre as histórias dessas e outras empregadas, afim de tornar público o que todos tentam esconder: as barbaridades sofridas por essas mulheres que dão o seu melhor para cuidar das casas e filhos de seus patrões brancos e não possuem nenhum direito trabalhista e, às vezes, são tratadas como sub-humanos, nem sequer podendo utilizar o banheiro da casa de seus empregadores. Para isso, conta com a ajuda de Aibileen Clark (Viola Davis), a primeira negra que a concorda em lhe ajudar.

Acontece que toda essa celeuma racial já é bem conhecida por todos nós (ainda mais quando se trata do sul dos Estados Unidos). E também sabemos que, por mais que hoje em dia essa intolerância seja considerada um ultraje aos direitos humanos, ainda está presente em muitas sociedades (e infelizmente, não podemos ignorar, em nosso próprio país); e, não há muito tempo atrás, era considerada como algo normal ou habitual (principalmente nos estados sulistas estadunidenses), ainda que este país tenha sido um dos primeiros a abolir a escravidão em 1865.

O grande problema do filme de Tate Taylor é que por mais que se trate de uma história sobre essas empregadas, sobre os negros, tudo se dá sob a ótica dos personagens brancos. Faz-se necessário a grande heroína 'Skeeter' - branca - para que as empregadas comecem a ser ouvidas; uma simples refeição preparada pela dona de casa Celia (Jessica Chastain) - branca novamente - faz com que Minny resolva por um fim nos abusos que sofre do marido; é através do livro de 'Skeeter', que Aibillen toma forças para começar a escrever…

Assim, o filme torna-se mais sobre as donas de casa brancas e seus dramas pessoais (e extremamente estereotipados, diga-se de passagem), do que sobre o preconceito e maus tratos que as empregadas recebem. Sem contar que todos os personagens brancos vistos aqui podem ser divididos em dois grupos, os bonzinhos e defensores da igualdade racial; e os malvados, que fazem tudo para manter a separação étnica - e esses são vilões mesmo! Basta dizer que a 'vilã-mor' da história, Hilly, em certo momento surge com uma ferida no rosto, para deixá-la não só feia em seu caráter, mas também repugnante visualmente, como uma verdadeira bruxa.

Sem contar que toda a narrativa é construída sobre clichês estrategicamente colocados para levar o público às lágrimas: há uma personagem que luta contra um câncer, uma garotinha chorando ao ver sua babá partindo para sempre, uma personagem sendo aplaudida por uma multidão pelos seus feitos corajosos, e a tão tradicional cena em que todos se levantam para ajudar em uma causa já tida como perdida…

E todo esse viés invertido do roteiro faz com que as personagens mais interessantes sejam relegadas a segundo plano. Embora a Minny de Octavia Spencer por vezes soe caricata demais, a atriz tem bons momentos. Mas é mesmo a atuação de Viola Davis que faz com que o filme não seja um desastre total, a atriz consegue transmitir a complexidade de sua personagem, e seu conflito de emoções através de pequenos gestos, como uma respiração mais profunda ou um tremer de mãos. (Aliás, Davis é a única que faz jus ao grande alvoroço que se tem feito a respeito das atuações deste longa).

E, para não dizer que só Viola Davis 'salva' o filme, sua direção de arte é impecável em sua recriação de época, tanto em ambientes quanto em seu figurino. O contraste instantâneo entre as espaçosas e luxuosas, mas estéreis de emoção, mansões dos brancos; e as apertadas e pobres, mas acolhedoras, casas dos negros, é sutil mas bastante eficiente, já que o vemos com naturalidade e não como algo que 'salta aos olhos'.

Enfim, contando com um visual maravilhoso, "Histórias Cruzadas" menospreza séculos de segregação racial e preconceitos absurdos em prol de narrar histórias clichês e irrelevantes. Chega a ser desrespeitoso…


por Melissa Lipinski


terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Se Meu Apartamento Falasse

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Se Meu Apartamento Falasse (The Apartment, 1960)

Estreia oficial: 15 de junho de 1960
IMDb



Billy Wilder foi um cineasta único. Nascido no antigo Império Austro-Húngaro (hoje sua cidade natal faz parte da Polônia), migrou para os Estados Unidos em 1933, quando Hitler ascendeu ao poder (seus pais eram judeus), e ingressou em Hollywood sob o 'apadrinhamento' de ninguém menos que (seu conterrâneo) Peter Lorre (o famoso "vampiro" de Düsseldorf de "M", de Fritz Lang - 1931).

Mas Wilder já trabalhava como roteirista desde 1929. Na direção, estreou codirigindo "Semente do Mal" de 1934, e teve seu debut solo em 1942, com "A Incrível Suzana". E a partir daí, 'nos deu' filmes como "Pacto de Sangue" (1944), "Farrapo Humano" (1945), "A Montanha dos Sete Abutres" (1951), "Inferno Nº 17" (1953), "Sabrina" (1954), "O Pecado Mora ao Lado" (1955), "Testemunha de Acusação" (1957) e "Uma Loura Por um Milhão" (1966), além, é claro, dos excepcionais clássicos, "Crepúsculo dos Deuses" (1950) e "Quanto Mais Quente Melhor" (1959).

Como se pode ver, Wilder conseguiu transitar entre diversos gêneros cinematográficos sem perder o alto padrão de seus filmes, e sempre contando com diálogos rápidos e afiadíssimos (uma de suas marcas registradas). E, embora muitos de seus filmes pendam para a comédia, ainda assim trazem uma visão crítica, amarga e bastante irônica da realidade que o circundava. São filmes, em sua grande maioria, que conseguem fugir do escapismo superficial e apresentam um conteúdo riquíssimo (sempre calcado no humor inteligente - mesmo em seus filmes mais sérios).

"Se Meu Apartamento Falasse", obviamente, não foge à regra (não à toa foi ganhador de 5 Oscars e indicado a mais 5 categorias). Aqui, Wilder e seu habitual companheiro de roteiros, I. A. L. Diamond, narram a história de pessoas extremamente comuns, para discutir temas bastante sérios, como adultério, sexo e solidão. E fazem isso da maneira mais simples possível, e esse é o grande mérito e charme do longa.

A construção dos personagens é irretocável, e brinda Jack Lemmon e Shirley Maclaine com verdadeiras 'pessoas': tridimensionais, e repletas de defeitos (que, em sua maioria, se igualam ou superam suas qualidades). Mas obviamente a composição não é mérito exclusivo do roteiro e da direção, e os atores dão um show de interpretação. MacLaine mostra todo seu talento e sua singular beleza; mas o filme é mesmo de Lemmon (senão o melhor ator de todos os tempos, certamente está na lista dos 3 mais). O seu C. C. Baxter está longe de ser o 'mocinho' dos clássicos hollywoodianos e, por mais, que redima-se recuperando sua dignidade ao final, passa o filme inteiro vestindo diferentes máscaras: para os vizinhos, no trabalho, para seu interesse amoroso… Mas, afinal, quem está livre delas? Lemmon certamente nos delicia com uma das melhores atuações da sua carreira (e olha que o páreo é duríssimo!), e vê-lo escorrendo macarrão em uma raquete de tênis é inesquecível!

Além do fator humano, tecnicamente o filme também é excelente, com seus cenários bem construídos (o escritório onde Baxter trabalha é rico em sua perspectiva, enquanto o seu apartamento prima pelos detalhes), e sua trilha musical linda e singela (que lembra um pouco alguns acordes de "Rhapsody in Blue", de George Gershwin, e que Woody Allen utilizou em "Manhattan", de 1979).

Enfim, "Se Meu Apartamento Falasse" é uma das (senão 'a') melhores comédias românticas já realizadas. E dito isso, é interessante notar que apesar de ser uma comédia romântica, há um sentimento de melancolia que perpassa todo o filme, inclusive em seu 'happy end', que termina sem o tão esperado beijo de seus protagonistas. Quando Fran (MacLaine) diz: "cale a boca e dê as cartas" com um sorriso irresistível no rosto, mais do que um impulso romântico desenfreado, está ali simbolizando a cumplicidade daqueles dois personagens.

Fica a dica!


por Melissa Lipinski


segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Um Dia

ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.

Um Dia (One Day, 2011)

Estreia oficial: 19 de agosto de 2011
Estreia no Brasil: 2 de dezembro de 2011
IMDb



Impossível assistir a "Um Dia" e não lembrar de "Harry & Sally - Feitos um Para o Outro". Ambos mostram o relacionamento de um casal durante vários anos de suas vidas (ok, as coincidências param por aí, mas é inevitável a comparação).

Neste filme dirigido pela dinamarquesa Lone Scherfig (de "Educação", 2009), e roteirizado por David Nicholls (baseado em seu próprio livro homônimo), o que marca a passagem de tempo é exatamente um dia, ou melhor, o dia 15 de julho. Assim, acompanhamos os encontros de Emma (Anne Hathaway) e Dexter (Jim Sturgess) a cada dia 15 de julho desde 1988 até 2011.

Assim, as passagens de tempo são longas (pois as elipses são sempre de um ou mais anos), porém muito bem feitas, auxiliadas por letreiros "engraçadinhos" que interagem com as cenas e por uma maquiagem excelente, que vai demarcando o envelhecimento dos personagens.

Aliás, não só a maquiagem, mas a inteira caracterização dos protagonistas ao longo dos anos é extremamente bem realizada. O envelhecimento de Dexter principalmente, é extremamente realista. Assim como o 'enfeiamento' de Emma no início do filme, ou sua aparência meio cheinha enquanto está trabalhando em um restaurante mexicano. São detalhes que ajudam na boa construção dos personagens.

E se há uma coisa que merece destaque em "Um Dia" é a sensível e realista concepção de seus dois protagonistas. E, por mais que apenas 'encontremos' com eles uma vez a cada ano, vamos os conhecendo gradualmente, mas profundamente. E isso deve-se ao extremo cuidado de Nicholls e Scherfig, mas também à brilhante atuação de Hathaway e Sturgess.

Mas os personagens coadjuvantes também não são deixados de lado e têm o mesmo cuidado destinado ao personagens principais. Do 'pseudo' comediante Ian (Rafe Spall), que compõe um sujeito ao mesmo tempo irritante e comovente; passando pelo pai de Dexter, onde o ator Ken Stott consegue evitar o clichê do pai ausente e autoritário por pequenos detalhes de sua composição; até chegar em Patricia Clarkson, mãe de Dexter, e que consegue comover não em função de sua doença, mas da decepção aliada à esperança que carrega em seus olhos quando fala com o filho.

Infelizmente, "Um Dia" falha em seu terço final, quando recorre ao óbvio para mostrar um importante acontecimento da história. Assim, a narrativa forte e coesa que vinha se delineando até então, parece desmanchar-se um pouco.

Entretanto, a força e o carisma de seus protagonistas se mantêm. E, ao final, nos damos conta que nos importávamos com aqueles personagens, que tínhamos no identificado com eles, e principalmente, torcido para que eles, um dia, alcançassem a tão almejada felicidade juntos…

Fica a dica!


por Melissa Lipinski