ATENÇÃO: O texto pode conter citações sobre o desenrolar do filme. Caso não tenha visto o filme ainda, tenha cuidado ou o leia após assisti-lo.
Bem Amado, O (2010)
Estreia Oficial | no Brasil: 23 de julho de 2010
IMDb
Dizem que as boas obras (sejam elas literárias, teatrais, cinematográficas ou televisivas) não envelhecem. Assim é "O Bem Amado", peça teatral escrita por Dias Gomes em 1962, e adaptada à TV, pelo próprio autor, como telenovela em 1973. A sátira política de Gomes continua atual. Pena que Guel Arraes não conseguiu aproveitar o bom material que tinha em mãos.
Pra começar, Guel Arraes tenta abraçar o mundo com as mãos: ele transforma em filme a obra inteira de Dias Gomes - assim, o que, em uma novela passou em oito ou nove meses, passa agora em 1 hora e 50 minutos! Não preciso nem dizer que, dessa forma, as elipses temporais são gigantescas e confusas.
Da mesma maneira, há personagens que são totalmente supérfluos no filme: o romance entre o repórter Neco Pedreira (Caio Blat) e a filha de Odorico Paraguaçu, Violeta (Maria Flor), não contribui em nada para o andamento da história, pelo contrário, atravanca a trama e quebra o ritmo do filme. Assim como a narração em off feita pelo próprio Blat, totalmente desnecessária.
Aliás, essa narração corrobora para uma das coisas que mais atrapalha o filme: a falta de confiança na inteligência do espectador. Guel Arraes a todo momento parece gritar: "Sucupira é uma alusão ao Brasil, viu?". Faz isso logo no início do filme, comparando o governo de João Goulart ao de Odorico, e depois citando as Diretas Já em comparação com acontecimentos de Sucupira, e, por fim, a mais desnecessária de todas: a fusão do mapa da cidade para o mapa do Brasil. Será que o inteligente texto de Dias Gomes não bastava para que entedêssemos a metáfora? O espectador é tão burro assim? (Bom, se levarmos em conta os políticos que elegemos a cada nova eleição, talvez até entendamos o lado de Arraes, mas pera aí! Vamos confiar mais na inteligência do espectador, né?).
O filme conta com boas atuações. Marco Nanini, sempre ótimo, faz um excelente trabalho, emprestando dinamismo, autoridade e sem-vergonhice a seu Odorico Paraguaçu. As irmãs Cajazeiras (que aqui ganharam uma versão bem mais safadinha), interpretadas por Zezé Polessa, (a cada vez melhor) Andrea Beltrão e Drica Moraes, estão bem, exageradas ao extremo (acho que talvez o seu figurino seja um pouco exagerado demais, mas isso acaba não incomodando frente a outros erros do longa). José Wilker está caricato como Zeca Diabo, mas funciona (afinal, quem não é caricato num filme de Guel Arraes?). E, embora Caio Blat e Maria Flor não incomodem (falando em atuação), como já disse, seus personagens são totalmente desnecessários para a trama do filme.
A excessão fica com um ator que eu gosto muito, mas que, aqui, não conseguiu desenvolver seu personagem de maneira satisfatória: Matheus Nachtergaele. Seu Dirceu Borboleta não chega aos pés daquele interpretado por Emiliano Queiroz na telenovela. Nachtergaele não conseguiu imprimir o tom tragicômico certo ao personagem, assim, ele parece sempre aborrecido, e toda vez que seu personagem entra em cena, destoa do restante do elenco - mas não evidenciando uma quebra interessante, e sim um tom cansativo - é chato vê-lo em cena. Tonico Pereira também não está bem, parece que o ator já entra em cena gritando.
E daí chego na maior falha de "O Bem Amado" (o filme). A gritaria... As falas... A música... Ou seja, não há silêncios no filme inteiro! Mas isso parece ser recorrente em filmes do diretor, pois já acontecia nos medianos "Caramuru - A Invenção do Brasil" (2001) e "Lisbela e o Prisioneiro" (2003) (exceção ao ótimo "Romance", de 2008, que foge um pouco do estilo de Guel Arraes). A obra de Dias Gomes já é verborrágica (afinal, existe algum personagem na literatura mais falastrão que Odorico Paraguaçu?), mas Guel Arraes parece não se contentar com ele, e assim, todos os personagens falam o tempo todo. É cansativo! E, mesmo quando eles não falam, quem fala é a música (cantada por Caetano Veloso), que entra para dizer alguma coisa. Não há momentos de contemplação no filme, em que possamos 'respirar' e preparar nossos ouvidos para o que ainda está por vir. O resultado? Saí do cinema com dor de cabeça.
Enfim, Guel Arraes não conseguiu fazer jus à obra de Dias Gomes. O diretor contava com ótimos atores e com um bom texto... Mas soube desperdiçar pelo excesso... Excesso de tempo, excesso de personagens, excesso de falas, excesso de música, excesso de redundâncias... Excesso de tudo!
por Melissa Lipinski